Assim vai a política em Portugal
Ideias
2023-11-16 às 06h00
Há precisamente uma semana, a Europa celebrava o 34º aniversário da queda do Muro de Berlim. Dei por mim então a pensar no quanto o mundo mudou em três décadas, e como de um tempo de esperança numa nova ordem mundial que pudesse ser mais orientada pelos valores da paz, da mediação, da cooperação internacional, da multilateralidade positiva, das integrações regionais, regressamos a um tempo amargo do qual reemergem velhos medos e velhas fraturas como bolores reincidentes dentro deste mundo-casa que habitamos.
Também dei por mim a recordar as imagens que víamos no televisor lá de casa, mostrando-nos aquela alvorada de gente desperta, ávida de vida nova, feliz por derrubar com toda a sua força braçal o muro que representava tanta vida agrilhoada, desfeita, morta, tanto tempo perdido e que urgia recuperar.
Naqueles dias, as imagens faziam-nos sentir como nossa a justiça que era finalmente feita aos alemães de leste. Como se fossemos todos prisioneiros a quem acabava de ser declarada inocência após uma vida inteira de prisão por crimes não cometidos. Irmanávamo-nos nesse sentimento de festa, de justiça, e de infinita possibilidade.
Imagens que apenas nos chegaram graças aos jornalistas - e isto num tempo em que para mais não havia a partilha imediata e urbi et orbi de milhentos vídeos amadores como hoje acontece. Dei por isso comigo também a pensar que muito do que conhecemos e sabemos hoje do mundo, devemo-lo aos jornalistas.
Também na passada semana, estive numa ação de formação organizada pela Agência Lusa para jovens jornalistas, com o apoio do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal. Um dos objetivos destas ações está em proporcionar aos jovens jornalistas um conhecimento mais especializado e esclarecido sobre a realidade do funcionamento das instituições europeias, aproveitando-se a oportunidade para refletir sobre algumas das grandes questões que estão por exemplo em discussão no Parlamento Europeu.
Ao conversar com aqueles e aquelas jovens jornalistas, era tão cristalino o seu entusiasmo, a sua vontade em ter o jornalismo como a profissão-missão de toda a sua vida. Era tudo tão genuíno que em silêncio desejei que este mundo-cilindro, este mundo-compressor não se atreva a empalidecer aquela paixão, a esbater o brilho daqueles olhos, a esmorecer aquela cidadania viva e comprometida com a verdade.
Nestes tempos de tentação constante pela falsificação da realidade, o jornalismo de qualidade, exigente, independente, com condições para fazer a busca da verdade em segurança, sem estar amordaçado por autocensuras, pressionado pelo peso das narrativas que berram mais alto, refém de lógicas economicistas que privilegiam o soundbite apenas como isco de audiências, é um instrumento que emerge como vital na luta pela integridade dos regimes democráticos.
E se ser-se jornalista já é difícil em contextos democráticos que tantos buscam hoje destruir por todo o tipo de vias, incluindo as que são escavadas, insidiosamente, no recato de espaços insuspeitos como o espaço judicial, imagine-se o quão difícil não é ser-se jornalista em contextos indemocráticos, autoritários ou de guerra. Não, não é preciso imaginar. Basta pensar que em todo o mundo, só em 2023, já foram mortos no pleno exercício do seu dever, 53 jornalistas.
Segundo o Observatório para os Jornalistas Mortos das Nações Unidas, criado em 1993 e com mandato para monitorizar os assassinatos de jornalistas desde 1997, 1634 jornalistas foram mortos nestas três décadas.
Este mundo é um lugar perigoso para muitas pessoas. Crianças, mulheres, pessoas mais velhas, pessoas com limitações físicas ou cognitivas, pessoas de credos diferentes, de orientações sexuais diferentes, de identidades de género diferentes, de etnias diferentes, pessoas migrantes, pessoas refugiadas, pessoas pobres, e sim, perigoso para pessoas que pensam pela própria cabeça e que se atrevem a mostrar o mundo tal como ele é. É nesta categoria, a dos que incomodam, que estão muitos jornalistas. Mas a ‘inconveniência’ do que fazem é absolutamente determinante para a salvaguarda da nossa liberdade, para a defesa da nossa democracia, para a denúncia dos crimes de guerra, e para a preservação da linha que separa o facto real da realidade facciosa, manipulada, artificialmente produzida. O incómodo do bom jornalismo precisa-se, hoje e sempre!
06 Dezembro 2024
06 Dezembro 2024
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