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“O Homem ocidental gosta de viver habitualmente” (Unamuno)

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

“O Homem ocidental gosta de viver habitualmente” (Unamuno)

Ideias

2022-09-03 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

Setembro era tradicionalmente o mês da “rentrée”. Recomeçavam-se todas as atividades que tinham ficado “a banhos”, inclusivamente, as atividades políticas. Depois, as coisas foram perdendo esse sentido. A tradição deixou de ser tão vincada como…tradicionalmente era. A pandemia, recentemente, contribuiu para esse desapare- cimento, durante agosto, da também anteriormente denominada “silly season”. Agora é um contrassenso falar-se de uma “silly season”, enquando vivemos uma guerra. Ainda por cima, pela primeira vez na História, uma guerra que, para os cidadãos que não estão diretamente envolvidos, tem muito de “produção” televisiva, mediática. Marca as notícias e a respetiva apresentação, adotando-se editorialmente uma dinâmica de “non-stop”, não permitindo alhearmo-nos do que se passa.
O certo é que mesmo para além da guerra, o Verão, este ano, foi (é) um tempo de inquietação. Nesse sentido, o seu registo nunca poderia ser, realmente, o de uma típica “silly season”, desde logo porque as preocupações relativamente ao futuro próximo, não nos permitiriam ter essa espécie de estado de descanso (vazio) mental.

A guerra pode prolongar-se. Pior, neste momento, uma guerra longa poderá ser catastrófica para a Europa, mas uma guerra com um fim rápido à vista, sem se ter generalizado, não parece ser realisticamente concebível. A Europa e a Ucrânia jogam nesta guerra provocada pela Federação Russa, muito mais do que posições geopolíticas diretas e lineares. O dito “ocidente” (terminologia que passou a ser usada por Putin e pela “nomenclatura” russa de uma forma reiterada), independentemente dos erros de análise e dos erros políticos, independentemente de percursos que sejam criticáveis (também) no passado recente da Ucrânia, não pode dar-se ao luxo de deixar prevalecer a cosmovisão que parece ter norteado a vontade de fazer a guerra de Moscovo. Pela simples razão de que isso significaria, a prazo, o fim do dito “ocidente”. O fim, em síntese, de uma maneira de viver, de uma acomodação equilibrada de valores, de uma modernidade iluminista que, no fundo, é o grande inimigo contra o qual combate essa linha russa putiniana. O latente expansionismo russo – czarista, essa mítica e ilusória ideia de uma “eurásia” centrifugada pela Rússia, significa uma recusa dos valores da Europa, da democracia, de um modo de vida (o nosso) e de uma era civilizacional que foi sendo construída ao longo da História – sobretudo, europeia. Por isso, nesse ponto fulcral, não fazem sentido certas narrativas pretensamente imparciais, alegadamente em busca de uma justiça ideal e neutral e de uma culpabilização recíproca de ambos os lados. A opção é realmente entre uma visão do mundo, da vida e da História e outra que se lhe opõe e que recusa aquilo que foi sendo o resultado da construção Histórica que fomos (o dito “ocidente”) edificando. É claro que temos que optar. Mesmo que se opte por se ser contra o dito “ocidente” (é legítimo, dentro do “quadro de valores” ocidental, tributário da liberdade); o que não faz sentido são “não-opções” em que existem reticências (“as forças russas invadiram a Ucrânia, mas…”).

Do mesmo modo, os cidadãos da Europa integrada têm que fazer as suas escolhas democráticas e responsáveis (informadas). Sabendo que, no fundo, todas as escolhas têm consequências. E, a este propósito, aquilo que as sondagens e as análises que chegam de italiana nos dizem, é também preocupante. As eleições de setembro podem colocar, novamente, uma força populista, legatária (embora ultimamente quase que recuse esse legado) de Mussolini e do fascismo italiano, na rota do poder. O partido “Frateli d’Italia” e a sua líder Giorgia Meloni, aparentemente e durante este Verão, têm tomado a dianteira nas preferências de voto dos italianos. O risco para a Europa é grande. Uma Europa submersa numa guerra com implicações no dia a dia de todos nós e, sobretudo, nas nossas economias, não se pode permitir ter que gerir uma eventual “força de bloqueio” à integração, vinda do seu interior e com peso significativo (um governo italiano com sucessivas ameaças de deixar cair a integração ou de a desvirtuar). Quer queiramos, quer não, o peso e o papel da Itália na Europa (um dos Estados membros fundadores do processo de integração) ainda será muito mais impactante do que o da Hungria de Òrban….

Dito isto, a época estival que agora vai chegando ao fim, tem pela frente um desafio que sintetiza o estado de coisas que vivemos e, em larga medida, o futuro da Europa (da União): vamos ter que arrostar com as consequências de uma guerra imprevisível, (quase) civilizacional, de confronto de cosmovisões. Vamos ter que fazer face a um processo inflacionista que nos afetará grandemente no nosso “tranquilo” (até agora e nesse prisma) modo de vida. Vamos ter que lidar com fraturas resultantes de inevitáveis opções. A democracia e o Estado de Direito (ou, numa perspetiva de integração, a Europa como “União de Direito”) resistirão? Pelo menos, com a saúde e o vigor necessários para que possamos continuar a viver tranquilamente?

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