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“o futuro foi ontem…”

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“o futuro foi ontem…”

Ideias

2023-03-20 às 06h00

Filipe Fontes Filipe Fontes

Há muito que o país se habitou a ouvir falar de reformas e necessidade de ser combativo, assertivo e corajoso na mudança de tanto que é estrutural na sua vida comunitária e societal.
Tantas vezes ouvimos que o sistema de saúde precisa de ser revisto na sua organização funcional e modelo hierárquico. Não raras vezes ouvimos que o sistema educacional e de investigação científica necessita de actuação crítica e disruptiva relativamente a uma estrutura existente tida como situacionista. Outras tantas vezes, e de forma sistematizada, consensualiza-se a necessidade de repensar, integral e fortemente, tudo aquilo que se relaciona com o “funcionamento da justiça”.
Há muito que tudo isto se repete e se fossemos tão competentes, céleres e consequentes quanto somos a identificar necessidades, esboçar soluções e comentar a inacção por contraponto com o nosso exemplo assertivo e concreto, talvez hoje tivessemos esgotado a razão de tanto repetirmos os mesmos temas e carências, já que, mesmo que não fosse tudo, muito estaria feito e ao serviço de todos nós.
Na actualidade, nenhum destes temas perdeu intensidade e pertinência (seguramente, e em oposição, renovada e infeliz relevância adquiriram), mas ganharam mais um tema - dir-se-á- concorrente. Dá pelo nome de habitação, o qual, seja como for, assiste ao mesmo procedimento e (in)acção: muito comentário, muita “discussão” (chamemos técnica, pública ou outro nome), muito programa e plano de acção, múltiplas medidas anunciadas, mas, na verdade, pouca densidade de diagnóstico, menor capacidade de monitorização e fiscalização, parca informação de suporte ao desenho da acção, pouco dinamismo e concertação, suspeitando-se grandemente que tudo resultará no mesmo: ficaremos no limbo, ou seja, independentemente da qualidade das medidas e dos planos, ficaremos pelas intenções, acções que não ganharão expressão e forma para lá do papel e efeitos que prolongarão e agravarão as carências e necessidades.
Independentemente do programa nacional de habitação da instituição governativa, dos planos alternativos da dita “oposição” convergirem para a necessidade da construção de mais e mais habitação, do fomento da reabilitação e ocupação efectiva de fogos devolutos, do favorecimento fiscal ao arrendamento longo, permanente e acessível, entre outras que, não se duvida, revelam bondade na resolução do problema, mas, seguramente, perdem e se prejudicam na superficialidade do diagnóstico, no desconhecimento dos meios, na incapacidade do exercício de verificação e fiscalização dos efeitos.
Para a assertividade da gestão política, é incontornável saber e conhecer a realidade, já que, é convicção, corresponde a um requisito básico de informação, ou seja, dados transformados e relacionados entre si, na produção de informação que ajude a formar conhecimento e melhor habilitação à decisão.
Informação sobre o número de habitações existentes e necessárias, sobre o estado das habitações, quer construtivo (insalubridade, inacessibilidade, com humidade, desempenho energético, …), quer dimensional e funcional, informação sobre a localização dessas mesmas habitações e relação geográfica com as necessidades verificadas – onde existe carência, onde existe excesso – informação sobre o regime de propriedade e da sua ocupação, valores financeiros envolvidos e relação com os rendimentos dos respectivos ocupantes, informação variada, mas fundamental e que, hoje, surpreendentemente, depois da apresentação convicta de tantas e múltiplas medidas de acção, verificamos que está muito aquém no seu conhecimento e domínio: o estado ainda está a fazer o levantamento do seu parque edificado devoluto, as autarquias actualizam as suas estratégias locais de habitação, coincindindo no aumento do número de situações de indignidade habitacional (no resultado recorrente de que sempre que algo é revisto – e que desejavelmente deveria significar diminuição da necessidade e do problema – traduz-se pelo aumento da carência e pela visibilidade do efeito nulo da acção… porque não ocorreu!), os proprietários lamentam o tratamento que recebem e o desconhecimento da sua realidade… No outro extremo, naquele que deveria tratar, monitorizar e avaliar os efeitos, coincidem os comentários e conclusões da falta de meios e recursos de trabalho, numa constatação (ainda antes do início da implementação das acções) de que não vai ser possível monitorizar o (in)sucesso de tudo o que (não) foi executado. E, de tal, não parece resultar grande preocupação, aparentando ser tacitamente comum a todos a convicção e a percepção de que tal não é grave…
Conhecer prévia e posteriormente, saber da causa e avaliar o efeito são regras que se julgam incontornáveis na “gestão política da cidade e da comunidade”, na prática, representa saber e conhecer o ponto de partida, ser capaz de perceber e ajustar a meta e o objectivo.
Torna-se difícil compreender como é possível (bem) actuar se não (bem) conhecemos a realidade. Mais ainda se torna difícil entender a convicção quando a mesma peca por evidente irrealismo.
Talvez por isso se repita o modelo e a metodologia: reagir à necessidade, disfarçar a acção, contornar o resultado. Sempre, nunca perdendo o recurso a palavras fortes e expressivas como disfarce ou protecção. Na verdade, palavras e expressões como “reformas estruturais” já cansam de tão inconsequentes, já tanto se banalizam porque recorrentes sem critério, porque recurso sem efeito e efeito sem causa.
Muitos dizem que Portugal é um país sem futuro ou com futuro adiado, porque sempre incapaz de “dar um passo à frente”, mesmo que, tantas vezes, seja ousado no dito “primeiro passo” (é frequente ouvir que a legislação portuguesa é das mais modernas, mas que não passa de “papel”…). Acredita-se que há futuro e esperança, sendo este futuro e esperança direito e dever. E que todos merecem esse futuro e essa esperança. Convém é não transformar o passado no futuro que não chegou a ser…

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