A irresponsabilidade social da construção civil
Ideias
2021-01-10 às 06h00
Os comboios e as linhas férreas são locais icónicos, até míticos, devido ao enorme papel que representaram e continuam a representar para as comunidades e para o desenvolvimento de uma região e de um país.
Quando ocorreu a abertura oficial da circulação da linha-férrea entre o Porto e Braga, a 20 de maio de 1875, com a presença do rei D. Luís, as duas maiores cidades do norte do país passaram a ficar ligadas por um meio de transporte mais rápido, seguro, económico e com uma maior capacidade de transporte de mercadorias e passageiros.
O comboio veio complementar o serviço de diligências, que ligavam estas duas cidades do norte, desde 5 de maio de 1852. A diferença entre estes dois meios de transporte foi bem evidente, pois se as diligências demoravam a percorrer, entre Lisboa e o Porto, cerca de trinta e quatro horas, o comboio demorava cerca de seis horas.
No entanto, as dificuldades neste meio de transporte foram surgindo. Uma delas ocorreu no ano após a sua inauguração e no dia a seguir ao Natal no ano de 1876, na freguesia de Cambeses, onde descarrilou o comboio que às 16h30 saiu de Braga com destino ao Porto. O acidente ocorreu depois de se terem partido algumas pranchas, seguido do abatimento dos carris, de um lado da linha.
Mas a linha dos caminhos de ferro funcionava também como local de sabotagem. Algumas pessoas, desgostosas com o rumo da sua vida, tentavam por vezes vingar-se, engendrando artimanhas que provocassem acidentes nos comboios. Uma delas era a colocação de pedras nas linhas férreas para que daí resultassem acidentes mais ou menos graves.
Um desses casos ocorreu na noite de 20 para 21 de setembro de 1903, na linha férrea de Nine a Braga. Entre as estações de Arentim e de Nine, exatamente na localidade de Bouçó, na freguesia de Cambeses, um grupo de indivíduos resolveu colocar quatro pedras enormes no meio da linha, com o objetivo de fazer descarrilar o primeiro comboio que partiria às 5h15 da estação de Braga para a estação de Nine.
A decisão destes indivíduos era de tal forma determinada que, para além da colocação das pedras, resolveram ainda levantar quatro carris inteiros, que os colocaram na margem da via, e ainda reti- raram 25 travessas de madeira, indispensáveis à segurança da linha, colocando-as emparelhadas no meio da via férrea. O “Commercio do Minho” refere, na sua edição de 26 de setembro de 1903, que “toda aquella metralha fôra atravessada na linha, evidentemente no propósito de ocasionar o descarrilamento do comboio que d’esta cidade seguia para Nine ás 5,15 da manhã”.
A sorte dos passageiros que seguiriam nesse comboio deveu-se a um guarda linha que saiu da estação de Nine às 3 horas da manhã e, a pé, seguiu para a estação de Arentim com a incumbência de nessa estação proceder ao cruzamento das linhas férreas. Desse modo, ao passar pela freguesia de Cambeses, exatamente no lugar de Bouçó, “deu pelo atentado, correndo a chamar o guarda mais próximo e outros indivíduos, e conseguiu assim desobstruir a linha e evitar um grande desastre”.
Por ordem de um funcionário superior dos caminhos de ferro, que se deslocou ao local, as pedras ali colocadas foram levadas para a estação de Nine, onde foram pesadas, tendo uma o peso de 100 Kg, outra 98 Kg, outra 88 Kg e a mais leve 55 Kg.
Na “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, de 1 de outubro de 1903, vem referido que no “Ramal de Braga – A policia procede a averiguações acerca da obstruição da linha férrea, entre os Kilómetros 42 a 43, do ramal de Nine a Braga, com 25 travessas, quatro carris inteiros e quatro enormes pedras”, acrescentando esta publicação que “Se isto se desse na China diríamos que eram selvagens”.
Este atentado foi dado a conhecer às autoridades policiais de Braga, do Porto e até de Lisboa. No dia 29 de setembro de 1903 o “Commercio do Minho” noticiava que “Ao juízo de instrução de Lisboa foi dado conhecimento do monstruoso atentado em a noite de 20 para 21 do corrente, na linha férrea de Braga a Nine, entre aquella estação e de Arentim…”. Também a polícia do Porto desenvolveu várias investigações acerca deste atentado, tendo ainda a polícia de Braga estado envolvida na tentativa de descoberta deste crime, “para o que recebeu incumbendia o snr. dr. Agostinho Sottomayor, digno juiz auxiliar da instrucção criminal”.
A investigação arrastou-se por várias semanas, tendo a polícia solicitado ao regedor de Arentim que detivesse dois indivíduos da freguesia, irmãos, sobre os quais recaíam, então, algumas suspeitas da autoria desta tentativa de descarrilamento.
Passadas cinco semanas, após deste atentado, e apesar dos esforços da polícia e dos Tribunais de Braga, Porto e Lisboa, nada se conseguiu provar sobre a identidade destes autores. No dia 27 de outubro de 1903 o “Commercio do Minho” referia que nada foi possível averiguar acerca deste atentado, apesar de terem sido detidos seis suspeitos. Neste sentido, o Comissário da Polícia de Braga enviou ao Juiz de Investigação Criminal de Braga “o auto de investigação a que procedeu, acerca do atentado commettido há tempos na linha férrea, entre as estações de Arentim e Nine”.
Este crime levantou várias suspeições, tendo o referido Comissário da Polícia de Braga estranhado “e com razão, que de entre os guardas, carregadores e outros empregados do caminho de ferro que transitam na linha, não aparecesse qualquer que désse informações ou indícios para descobrir a pista dos criminosos”.
Esta sabotagem, ou tentativa de atentado, ficou marcada durante muito tempo na memória das gentes desta freguesia, tal como na dos passageiros que por ali circularam nesse comboio.
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