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Nem plano de mobilidade nem milagre

Assim vai a política em Portugal

Nem plano de mobilidade nem milagre

Ideias

2023-09-26 às 06h00

Jorge Cruz Jorge Cruz

“Nós, sozinhos, ainda não conseguimos fazer milagres”. Esta inopinada quanto surpreendente afirmação foi registada há dias em Braga, mas, ao contrário do que se possa pensar, o seu autor não foi nenhum clérigo ou algum membro da Igreja.
O lamento, que parece indiciar ser possível fazer milagres desde que haja ajuda de outras pessoas, proveio de uma vereadora da Câmara Municipal de Braga, Olga Pereira de sua graça, que falava aos jornalistas no âmbito da Semana Europeia da Mobilidade.
A responsável municipal pela mobilidade garantiu, a propósito, que a semana temática não esgota a política do município para essa área, mas fez questão de sublinhar a relevância da iniciativa, essencialmente como “sensibilização” e como meio de “alertar as pessoas para necessidade de adoptar estilos de vida mais condizentes com o que todos necessitamos”. Em todo o caso, Olga Pereira considera que “as pessoas estão sensibilizadas”, notando, contudo, que “falta dar o passo seguinte, que é adoptar efectivamente modos alternativos de deslocação viária.”
Creio ser nesta asserção que reside o grande equívoco da vereadora e, por extensão, do próprio executivo camarário. E tal confusão, propositada ou involuntária, fica bem patente quando a responsável acrescenta que “é nisso que estamos empenhados, mas não vamos conseguir fazer nada se não houver motivação e efectiva vontade de mudar por parte da população.”
A questão que tem de ser colocada desde já é muito simples: como chegou a Câmara de Braga a tal conclusão? Fez algum estudo sério, ou procedeu a um qualquer simulacro de consulta num círculo restrito de amigos? Ou tratou-se apenas de mais um dos tão usados exercícios de “achismo”?
A acuidade das interrogações assume, nestas circunstâncias, uma relevância enorme porquanto é público e notório que, em termos de política de mobilidade, o município de Braga tem pautado a sua acção pelos mínimos. E até nem estou sozinho nesta conclusão, já que o próprio barómetro da coligação chega à mesma conclusão!
É consensualmente aceite que existe uma relação directa entre eficiência do transporte público e a mobilidade urbana. Ora, embora não me custe reconhecer uma acentuada melhoria na transportadora municipal, em particular ao nível da renovação da frota, a verdade é que o serviço que a empresa presta aos seus utentes ainda deixa muito a desejar.
Atrasos constantes, anulação de determinadas carreiras (por coincidência as menos rentáveis, mas nem por isso socialmente menos necessárias), são algumas das “espinhas” que se atravessam diariamente nas gargantas dos utilizadores deste serviço público. Claro que inúmeros factores contribuem para esta situação, como será a ausência de vias dedicadas, mas tudo começa e acaba na ausência de uma verdadeira política de mobilidade e de planeamento urbano sustentável.
Mas também é público e notório o défice de infraestruturas adequadas ao desenvolvimento dos diversos meios de mobilidade – motorizados, suaves e pedestres -, sendo certo que as características diversas de cada um deles têm forçosamente que ser harmonizadas. Ora, a esse nível, a intervenção do município tem deixado muito a desejar, não apenas no que concerne à manutenção das vias, algumas delas sem intervenção há anos, mas de igual modo no que diz respeito à criação de novas infraestruturas.
Face ao pesaroso quadro que se oferece aos bracarenses, parece-me completamente excessivo colocar em causa, como o fez a vereadora, a vontade de mudança da população. Aliás, de um modo geral, os bracarenses estão saturados de congestionamentos de trânsito, cada vez mais permanentes; estão cansados de sofrer os efeitos da poluição, do ar e sonora; estão fartos de perder qualidade de vida. Pretendem, por isso, a preservação do meio ambiente e querem recuperar a qualidade de vida de outrora, tarefa que compete à Câmara de Braga, através da implementação de uma verdadeira política de mobilidade.
Impõe-se, isso sim, gerar motivação, o que passa necessariamente pela criação de espaços públicos amigáveis para pedestres e para ciclistas e pelo estímulo a práticas de mobilidade sustentável. Só desse modo, quando os cidadãos tiverem total liberdade de escolha nos modos de transporte que preferem utilizar para as suas deslocações, é que se poderá afirmar que o município cumpriu as obrigações que lhe estão cometidas nessa matéria. Com medidas avulsas e decididas em cima do joelho, como tem vindo a acontecer, só nos resta mesmo esperar o tal milagre.

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