Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2021-05-10 às 06h00
A Madalena procurava reconstruir a sua vida. Nunca almejou este caminho, mas dadas as complexas adversidades, começou o ano a vender variados chapéus de criança na sua recente loja no Facebook. O meu amigo carioca falou-me também da sua apetitosa coxinha com “catupiry made in Portugal”. O negócio vai de vento em popa, com entregas grátis ao domicílio a partir das cinco dúzias. O Sr. Armando começou a produzir bagaço no seu pequeno alambique. Deu-lhe um toque inovador, adicionando-lhe um leve aroma a mirtilo do tipo Duke. Por fim, o Fernando também procurou a sua sorte. Começou a vender mesinhas caseiras em forma de pomada, prometendo tratamento fidedigno para as dores musculares e articulares.
Encontro-me sentado no recanto da minha varanda. Releio ‘O mundo de Sofia’ de Jostein Gaarder. Pauso a leitura de quando em vez para refletir sobre diversas passagens que me suscitam maior interesse. Foi em Heráclito que, curiosamente, fiz a maior paragem. Respirei fundo e acompanhei-lhe o pensamento. Numa das cartas escritas a Sofia, o filósofo figura-lhe um rio. Explica-lhe o modo como as suas águas fluem, enaltecendo a eterna forma como o mesmo se vai transformando dia a dia. Descreve-lhe, de seguida, o jogo dos opostos. Simboliza o fenómeno através da dicotomia inverno e verão, guerra e paz, aquilo que é e afinal já não é. Enfatiza a relevância destes dualismos, essenciais para o pleno entendimento do mundo, da vida e sua sobrevivência.
Durante esta pausa, recordei ‘Sísifo’ de Miguel Torga. Nas palavras do seu poema encontro a energia necessária para empurrar a gigante pedra até ao cimo da montanha. Desde o início da pandemia que tento ana- lisar a capacidade humana para superar pesadas dificuldades, procurando, de forma proativa, por novas oportunidades. A resposta, encontro-a no filósofo e no poeta. Tal como o rio pode gerar águas turbulentas, consegue também trazer a tranquilidade e a esperança de uma nova vida. No passado ano assisti a amigos cair, mas também os vi a subir a pulso, recomeçando com grande aspiração. Se não tivessem conhecido a outra face da moeda, nomeadamente o negro lado dta maldita pandemia, será que compreenderiam o quão capazes são de se auto-superarem?
Com a pandemia muitos negócios fecharam, é verdade. Mas, da mesma forma, a capacidade e resiliência humanas permitiram que se reerguessem e/ou se reinventassem. Somos agora produtores, fornecedores e até clientes fidelizados dos vizinhos, ativos intervenientes de uma rede de abastecimento mais próxima e tradicional. Constato um regresso às origens, com fabrico manual e caseiro, entregue de porta em porta, potenciado pelas platafor- mas digitais.
O sol não nasce apenas um dia, mas é sempre novo, continuamente. No pensamento de Heráclito, a realidade não só é marcada pelo conflito dos opostos, mas também pela sua necessidade, por forma a garantir o equilíbrio e a harmonia do universo. Se, neste momento, está a ver o lado mau da moeda, procure então o seu lado bom. Ele existe. Não se esqueça de refletir sobre pensamentos de Heráclito, nem tão pouco de ler poesia, já que a mesma consegue trazer vitaminas nas palavras: “Recomeça...”.
*com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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