Correio do Minho

Braga, quinta-feira

- +

Namorar uma camisa

Ettore Scola e a ferrovia portuguesa

Namorar uma camisa

Escreve quem sabe

2023-01-02 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

Depois de tanto namorar pela vitrina, decidi entrar. Abordou-me uma bela colaboradora, de caprichado sorriso. Peço-lhe uma camisa vermelha, idêntica à da montra, tamanho XL, com botões brancos e uma risca só, num colarinho estilo mandarim. Pede-me para aguardar um pouco. Depois de uns breves minutos aparece-me já menos sorridente. Informa-me que não consta no sistema o tamanho pretendido, como também não aguardam qualquer outra reposição do armazém. Partiu-me o coração! A partir daquele momento, o meu dia tornou-se entediante. Fiquei a matutar no sistema. Malditos sistemas que nem sempre acertam! Estaria errado? Imagino que não. Alocaram poucas camisas do meu tamanho. Talvez tenha sido isso!
Infelizmente, já todos experienciamos situações semelhantes. Hoje compreendo que as grandes organizações retalhistas tentem evitar este tipo de circunstâncias desagradáveis, procurando antecipar as necessidades dos seus consumidores, garantindo a disponibilidade dos seus produtos, na quantidade, preço, localização e momento certo. Mas de que forma perpetram ou procuram responder a este desafio relacionado com disponibilidade, tão constante quanto ambicioso, nomeadamente no retalho de vestuário?

Um dos mecanismos que vislumbrei ao longo dos anos assenta na melhoria e eficácia dos processos de planeamento, cálculo e execução das suas distribuições, para além da extrema importância em manter, com precisão e em consonância, os níveis de inventário apresentados pelos seus sistemas computacionais. Depois desta experiência menos agradável, fico a cogitar em temas relacionados com a relevância da correta posição de inventário. Nomeadamente, penso em mecanismos para melhor planear e alocar mercadoria. Tento conceber um modelo de otimização para alocação de “N” produtos para “N” lojas, de uma forma simples, rápida, e com o mínimo de falhas. Sei que a tarefa é hercúlea, pois criar algo inovador relativamente a este tema, já profundamente investigado, é dose para poucos cocurutos. O planeamento e a alocação de mercadoria são processos deveras exigentes, não só em matéria de negócio, como também em relação a aspetos técnicos, onde se procura otimizar a distribuição dos produtos pelas lojas. Em grandes retalhistas, detentores de milhares de produtos, multiplicados por inúmeras combinações de cores e tamanhos, milhares de lojas e milhões de transações, a tarefa agudiza-se. Contrariamente ao processo de reaprovisionamento, também ele complexo e tipicamente aplicado em situações onde a procura é sistemática ao longo de todo o ano, por exemplo em produtos básicos e de continuidade, o processo de alocação é transversal a retalhistas possuidores de produtos sazonais. O fator sazonalidade e o elevado número de diferenciadores propiciam ainda mais os desafios destes processos.

Tipicamente, as alocações poderão ter dois grandes momentos, sendo o segundo nem sempre aplicável na realidade: a pré-alocação, com o planeamento realizado para o início da estação, e a alocação durante o decorrer ou no final de estação. Entre tantos desafios que ambos envolvem, recentemente aprendi que existem variados impactos no processo de alocação relacionados com as diversas fases do ciclo de vida de uma loja. Entre eles, destaco a desafiante abertura, os ajustes físicos (como o alargamento) e o encerramento. Dessa aprendizagem, recordo-me de ter perguntado a um colega de que forma seria pré-alocada mercadoria, aquando da inauguração das primeiras lojas em Portugal, no ano de 2023. Curiosamente, respondeu-me que a tarefa teria em consideração tendências e aspetos demográficos do nosso país. Informou-me, também, que a sua análise focar-se-ia no histórico de vendas de outros países, muito embora enaltecesse o facto de que as curvas de tamanhos tivessem de ser ajustadas. Para ele, a análise de vendas, por tamanho, nem sempre era de fiar, devido às diferenças de silhuetas de ano após ano.

O incorreto planeamento e alocação poderá resultar num de dois cenários antagónicos. Por um lado, nos desnecessários custos relacionados com a operação, transporte e remarcações de preço com produtos sem grande volume de vendas e, por outro, no descontentamento do consumidor, dado não conseguir concretizar a desejada compra. Neste ponto, atrevo-me a imaginar, que com alguma pontinha de sorte, uma alocação mais precisa ou uma silhueta menos avantajada da minha parte, porventura, teria festejado o novo ano com a camisa que tanto namorei.

*com JMS

Deixa o teu comentário

Últimas Escreve quem sabe

10 Outubro 2024

Thinking before writing

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho