Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2018-11-12 às 06h00
A Recordar o passado é sempre um exercício salutar. É lá, nesse lugar mítico, que se situam o bem, a beleza e a perfeição. Em «O mito do eterno retorno», Mircea Eliade mostrou-nos como se processa culturalmente a viagem individual ao nosso passado, cheio de reminiscências sedutoras e belas. Entre uma enxurrada de imagens relevantes, lembramo-nos de algumas, talvez pelas implicações que tais factos tiveram no nosso crescimento e humanização. A primeira, e mais nítida, é a vasilha do leite, acabado de tirar, deixada na soleira da porta todos os dias pelo leiteiro da aldeia. A leitaria cumpria uma função social e económica muito importante, e o leiteiro garantia, pela distribuição porta a porta, o escoamento de todo o leite produzido. A segunda, relacionada com a primeira, é o saco do pão pendurado no postigo pelo padeiro da terra. Cheirava a fresco e abria-nos o apetite logo de manhã. A terceira, e seguintes, é a cesta com produtos variados, batatas e cebolas, frutos diversos, legumes frescos, tudo deixado à porta pelos lavradores ou seus representantes. Este comércio inicial, realizado porta-a-porta ou cara-a-cara, implicava um processo de reconhecimento, confiança e honestidade que se foi paulatina e infelizmente perdendo nas nossas sociedades.
Correspondia a um atendimento diferenciado e único que realçava um determinado grau de exigência e que deixava os consumidores satisfeitos, porque bem tratados. Naquele tempo, a fidelização era concretizada, mais do que pelo preço, pela qualidade do serviço e pelo relacionamento humano imediato. Com as transformações do universo comercial e o advento de novas técnicas de marketing, a valia desta relação cara-a-cara foi-se progressivamente esbatendo, sublimando-se os fatores racionais em detrimento dos fatores emotivos. Quando somos abordados, na rua, por agentes comerciais ou quando nos caem em catadupa, na caixa de correio, folhetos informativos de toda a espécie, tem-se, no entanto, ainda subjacente a importância do contacto imediato entre o potencial vendedor e o potencial consumidor. Comparada com esta abordagem, que dizer da verdadeira invasão informativa em telemóveis, em redes sociais como o Facebook ou o Twitter, em jornais de referência, ou nas, pensamos nós, estanques caixas de correio eletrónico? Poucas vezes pensamos ? se pensamos ? na forma como os nossos endereços de correio eletrónico, números de telefone ou até moradas físicas transitam de empresas de marketing para empresas de vendas a retalho, e muito menos pensamos, por desconhecimento das técnicas usadas, na forma como somos selecionados para tentativas de fidelização a uma empresa ou a uma marca. A verdade é que tais técnicas existem, são altamente sofisticadas e inquestionavelmente responsáveis por grandes êxitos comerciais.
A oferta informativa cara-a-cara, one-to-one, em inglês, repisa digitalmente a oferta comercial singela da nossa juventude, agora elevada a um supino expoente. O objetivo prioritário, percebido por todos nós quando contactamos hipermercados, bombas de gasolina ou empresas de telecomunicações como a Vodafone ou a Meo, é a fidelização. Já não interessa às grandes empresas um marketing massificado, indistinto, com perdas de recursos e de eficácia. É, hoje, muito mais importante conhecer o comportamento individual, os gostos e atitudes, seja no âmbito social e económico, seja no cultural, enfim, em todas as situações em que o ser humano se move. O marketing cara-a-cara conhece hoje o cliente como nunca antes conheceu, potencia o envio de mensagens sistemáticas e personalizadas, e permite, se apresentado com lisura, de forma clara e favorável às partes, um grau de fidelização que o leiteiro ou o padeiro dos velhos tempos certamente não desdenhariam.
* Com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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