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Marias da Fonte, 175 anos da Revolta do Minho

As emoções no outono

Marias da Fonte, 175 anos da Revolta do Minho

Voz aos Escritores

2021-04-30 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Sou Maria da Fonte do Vido, a verdadeira Maria da Fonte, uma enjeitada que ao pé da fonte no lugar da Barreira em Fontarcada foi abandonada. Josefa Antunes lá me encontrou, um serzinho desprezado num trapo embrulhado, roto e emporcalhado, e nesse trapo de miséria e de vergonha, nesse trapo que encobria a fornicação da perdição, vinha um recado mijado a mim dedicado: Eis-me exposta junto à linfa que aqui mana deste monte, serei dela a clara ninfa, serei a Maria da Fonte. Bendita Josefa Antunes que ao padre me levou, o pároco que com os santos óleos me abençoou e de ser mourinha me livrou. Olvidou-se o pároco de me registar nos assentos da paróquia e foi Camilo Castelo Branco que esta história contou e me personificou numa exposta, numa desbocada medrada sem educação, numa espigada que aos machos se dava, numa desnaturada que um rol de filhos enjeitados na Roda largou. Eu, Maria da Fonte, heroína da Revolução, não merecia tamanha desconsideração.

Sou Ana Maria Esteves, a verdadeira Maria da Fonte, fui eu que dei o epíteto à Revolução. Meu Pai João Vieira era bacharel e minha Mãe, Mariana Rosa Esteves, senhora mui bondosa, recatada e formosa. Herdei-lhe a beleza mas não o recato. Enfurecida eu me quedava com as injustiças, barafustava, aos céus bradava, e na Revolução de 1846 a golpes de machado a porta da cadeia do Lanhoso arrombei, Não há outro remédio! Assim gritei, Viva a Rainha! Morram os Cabrais! Abaixo as leis novas!
Sou Maria Angelina, a verdadeira Maria da Fonte, tinha vinte anos quando começou a revolta, era moça vistosa, de vermelho trajada, uma minhota de músculos rijos, saúde para dar e vender e sangue na guelra a ferver. Naqueles dias de revolta armei-me de clavina e de pistola à cintura e liderei a fúria do mulherio. Era a mim que aclamavam: Viva a Maria da Fonte com a pistola na mão, para matar os Cabrais que são falsos à nação! Viva a Maria da Fonte de nome tão majestoso, em Fontarcada nascida no concelho de Lanhoso!

Sou Luísa Balaio, a verdadeira Maria da Fonte, taberneira no Largo da Fonte, fui eu quem espicaçou o mulherio à revolta, o mulherio na tasca reunido e bem bebido, mulherio do Minho de espírito belicoso, de gorgomilos regalados pelo tinto carrascão, o mulherio que se deu à confusão sem medo da retaliação e a mim vivas bradou, a taberneira cujo assalto à cadeia amadrinhou. Nesse assalto libertámos as companheiras aprisionadas aquando do primeiro enterramento tumultuário.
Sou Joaquina Carneiro, a verdadeira Maria da Fonte, fui aprisionada a 23 de Março de 1846 nos tumultos que espoletaram os acontecimentos mais marcantes da revolta. As minhas companheiras libertaram-me. Eram mais de trezentas mulheres armadas de suchos, fouces, sachos e machados que nas baladas dos sinos marchavam, marchavam, marchavam. Quis vingar-me do administrador do concelho, pegar-lhe fogo à casa, queimar as papeletas da ladroeira. As minhas companheiras acalmaram-me. Eu, Joaquina Carneiro, não me verguei à derrota e prossegui na revolta.

Sou Josefa Caetana, a verdadeira Maria da Fonte, incitadora do enterro tumultuário ocorrido a 7 de Abril de 1946. Fui presa e conduzida à prisão de Braga. No caminho, as minhas companheiras tentaram resgatar-me. Não foram bem sucedidas. Os militares abriram fogo contra as revoltosas e finalizaram a diligência.
Sou Maria da Mota, a verdadeira Maria da Fonte, fui a mais exaltada heroína do movimento popular. No dia 1 de Abril de 1846 liderei homens e mulheres rumo a Vieira do Minho e lá, sem peias, arrombamos as cadeias.

Quem foi a verdadeira Maria da Fonte pouca importância tem. Na braveza destas mulheres do Minho que se insurgiram contra as leis de Costa Cabral, contra os enterros fora das igrejas e dos adros, contra a taxa do covato, contra os impostos sobre as terras, estão subjacentes a insubmissão, a ânsia de Liberdade e a defesa da justiça social.
Na braveza destas mulheres do Minho está a sublevação popular que se estendeu por todo o país. A identidade da Maria da Fonte é um mistério que valoriza esta História e as Mulheres do Minho, do passado e do presente.
O espírito de guerreiras prevalece. A Revolta da Maria da Fonte perdurará nos séculos vindouros.

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