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Maria Ondina Braga

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Maria Ondina Braga

Voz aos Escritores

2023-01-13 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Ondina, nome de sereia dos lagos, foi a graça dada à escritora bracarense, um nome soprado de longe, vindo de Terras de Vera Cruz pela voz de um tio emigrado no Brasil, graça estranha para a sua Mãe que teria preferido um nome católico, a Mãe, exímia contadora de histórias, meio verídicas, meio fantásticas senão mesmo bíblicas, dela herdaria o jeito de contar histórias, di-lo a escritora nascida em Braga há um século e um ano, na Avenida Central, numa casa que para sempre seria o seu tecto e o seu chão, não obstante as suas viagens pelo Mundo, territórios longínquos que a chamavam e validavam a sua afirmação: “Eu Vim para Ver a Terra”. Nesse dia treze, “Janeiro. Muito frio. No oratório, a lamparina acesa, e na mesa de cabeceira, num prato com água, a rosa-de-jericó que destinaria o tempo de paridura”, veio ao Mundo Maria Ondina, uma Escritora que honra as origens numa prolixa obra de qualidade ímpar. Apesar do extenso legado literário, das descrições fabulosas das terras que palmilhou, dos testemunhos, das vivências aqui e além-mar, do valiosíssimo registo da religiosidade, mentalidade e costumes minhotos, não deixa de ser um mistério o que a levou a aventurar-se, sozinha, pelo Mundo que queria ver. Mistério que a autora aponta na sua escrita: “Sempre que torno à terra onde nasci e me criei, terra que um dia haveria de deixar, não pelo que lá me pesava mas por uma prova que a mim própria impus, uma porfia…” Que prova seria essa que a levaria a ser preceptora, professora, tradutora em Inglaterra, França, Angola, Macau, Goa e outros destinos mais que tanto marcaram a sua escrita? No seu legado literário vejo uma Mulher livre, independente, vanguardista, desamarrada de um tempo e de um Portugal onde as Mulheres se subjugavam aos homens, Mulheres de vozes amansadas, recatadas nos ninhos de vastas proles, Mulheres de destinos exíguos traçados à nascença. Maria Ondina, a sereia dos lagos, negou-se esse fado, ganhou asas e voou a outros horizontes. Contudo, viu essa subjugação feminina por onde passou, e registou-a nas suas palavras sublimes. Braga seria demasiado pequena para si, mas o Mundo também o era, um globo pequenino para uma alma tão grande, alma de artista, de Mulher sensível que nos arrebata nas suas narrações, os cheiros quentes de África e o cacimbo, as cores ardentes, a nebulosidade mística e tristonha de Inglaterra, o exotismo enigmático do Oriente, as crenças, costumes, transportes, gastronomias, rituais e vivências de outros povos, o carinho pelas pupilas e a camaradagem com as freiras, a liberdade de viver os seus dias sem ter de justificar os seus actos, sem necessitar de permissão para alentar as suas vontades, sem ter de estender a mão humilhada que esmola o sustento ao seu senhor. Mulher que não se conformou com a apagada condição. A sereia aventureira desabafa: “Ah, minha infância escassa, minha Mãe resignada, minhas andanças sem rumo, meu viver sem ambi- ções”. E, contudo, na sua escrita, a autora, por vezes, confessa a sua melancolia, o riso que esconde a solidão, o pranto que escoa a saudade e derrama as inseguranças, anseios, medos e aflições, que aviva o porquê de ali estar, naqueles lugares distantes das suas raízes que a prendem à terra natal, porquanto “Da Raiz É que Crescem as Árvores”. Uma nereide humana, a nossa Maria Ondina, Mulher temerária cujas fragilidades afloram na brancura do papel e dão riqueza à sua obra literária. Escrever é um acto solitário, mas quem escreve nunca está só, porque a memória, tão viva na escrita de Maria Ondina Braga, transforma a solidão num manancial de personagens vivas, resgatando-as da Morte que sempre a atormentou, a Morte, a única certeza que temos na Vida. E ao escrever driblamos a Morte, perpetuamo-nos no extenso legado epistolar, a nós e aos que nos são próximos, àqueles que, por acasos do destino, partilham as nossas origens ou connosco se cruzaram na efemeridade da existência. Na sua soledade acompanhada das imensas figuras que povoam os seus escritos, e apesar da sua mundividência e dos seus périplos de liberdade multiculturais, Maria Ondina afirmou: “A escrita é a única coisa que tenho na vida”, “Escrever, para mim, é estar perto da Morte”, “Escrever é uma coisa muito secreta”. E é também esse secretismo, a ocultação dos seus motivos mais íntimos e profundos, tão discretos e humanos, que enobrecem a sua escrita, uma escrita que nos deleita e eterniza os minhotos. A Mulher-Escritora que escolheu a solidão, não casou nem teve filhos, é e será o orgulho de muitas gerações de bracarenses.

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