‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações
Voz aos Escritores
2023-05-05 às 06h00
Cinco de Maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa, parece-me a data ideal para escrever sobre a Maria de Lourdes Brandão, jornalista, escritora e poetisa que divide o coração entre Portugal e o Brasil. Almoçamos há três dias no restaurante Pecado da Sé, em Braga, saboreamos as palavras que souberam a pouco nesta sua recente visita à cidade que a viu nascer há noventa e um anos. O tempo não lhe beliscou a beleza, sequer a prodigiosa mente e a eloquência: Maria de Lourdes irradia uma luz que cativa e nos faz querer saber mais e mais da sua vida repleta de histórias, a vida de uma menina nascida em berço de ouro que não se confinou à imposta condição de submissão exigida às mulheres. Maria de Lourdes agarrou a existência, e na sábia prodigalidade dos alquimistas, transformou-a numa dádiva venturosa, uma mulher destemida que aos noventa e um anos se aventura, sozinha, a voar sobre o Atlântico, partindo do Rio de Janeiro para matar as saudades que nunca morrem da cidade natal e dos familiares e amigos que por cá tem. Até aos quinze anos de idade Maria de Lourdes viveu na Quinta da Calçada, em Tenões, no sopé do Bom Jesus do Monte, brincou e cresceu no palacete do avô paterno, Veríssimo Martins de Almeida, proprietário da maior fábrica de chapéus de Portugal, palacete grandioso que tristemente decai aos pés da incúria da suposta preservação histórico-patrimonial. Ao contrário do faustoso edifício arruinado, Maria de Lourdes não se deixou abater pelas pedras da vida. A Mãe, senhora brasileira de têmpera, descendente de grandes proprietários fazendeiros do café, Mulher de rara boniteza com parecenças a Grace Kelly que nunca se adaptou a Braga, impôs à filha de dezasseis anos o casamento com um brasileiro de trinta e cinco, pai dos dois filhos que Maria de Lourdes pôs no Mundo. A família mudou-se para o Rio de Janeiro, mas Maria de Lourdes jamais esqueceu a terra das suas raízes, cujo chamamento lhe toca o coração. Apaixonada por livros que devorava da biblioteca do avô e inspirada nos avós maternos, ambos escritores, Heitor e Estella Brandão, poetisa e a primeira mulher colunista dos jornais portugueses, Maria de Lourdes tirou o curso de jornalismo, e como jornalista estagiou no jornal Washington Post, viajou pelo Mundo e entrevistou conhecidas personalidades: a Rainha Isabel II, o Imperador Hirohito do Japão, Amália Rodrigues, Yma Sumac, Martin Carol, Brigitte Bardot, Ivo Pitanguy e António de Oliveira Salazar, entrevistas que lhe valeram a distinção de mérito no Brasil. Destes encontros destaco a entrevista ao Salazar, caso raro em quase quatro décadas de ditadura, o Botas era avesso a dar entrevistas, mas talvez o tivessem cativado o charme inato, a beleza e a inteligência da Maria de Lourdes, ele, um sonso femeeiro casado com a Pátria que destinava às Mulheres o nobre lugar no lar. Recebeu-a em São Bento no seu trono de ditador decrépito pelos anos e pela doença, sob o olhar canino e enciumado da Maria, eterna governanta, embirrenta dos amores do patrão, concedeu-lhe a entrevista dividida em dois encontros, e no segundo, Maria de Lourdes teve de se escapulir por uma janela no afogadilho dos perseguidos, a PIDE inteirara-se do sucedido e prendeu o fotógrafo que a acompanhava, mas não logrou a interdição da publicação da entrevista que escapou ao lápis azul da censura e saiu no jornal francês Le Monde e na Voz de Portugal. Além dos vários livros que escreveu, romances e poesia, publicados em diversos países e traduzidos em múltiplas línguas, Maria de Lourdes empenhou-se nas escolas e universidades na divulgação da Literatura e da língua portuguesa, dedicou-se a vastas causas humanitárias, apelando e agindo na protecção dos desabrigados e dos idosos, no acolhimento e literacia das crianças, na ajuda aos toxicodependentes, na defesa dos direitos das Mulheres, da Liberdade e dos valores morais em que acredita. É membro de diversos organismos culturais em Portugal, Brasil e Estados Unidos da América. Foi justamente premiada pela sua escrita e labor humanitário, mas, na humildade dos verdadeiramente Grandes afirma, “Não ligo às vaidades, amo a vida, a natureza e os animais e odeio a violência. Só quero transmitir ao papel emoções e coisas bonitas, que fiquem, depois de eu virar pó”. Quem tem o privilégio de a conhecer, nunca a esquecerá, uma Mulher Enorme que viverá para sempre nos nossos corações e na nossa memória, uma ave sem gaiola que espraia as asas bondosas e que na voz traz o canto ubíquo transposto na canção e no violão de Paulo César Girão, em palavras da autoria da Maria de Lourdes Brandão: “Raízes retorcidas, vazias, as minhas, emaranhadas perdidas, sem seiva, secas as entranhas, nada. De aonde venho, onde pertenço, ao Minho verde florido onde nasci, ao Rio alegre e buliçoso onde vivi. Do meu sangue português herdei o amor ao mar, à saudade, à nostalgia e o gosto pela aventura, do meu sangue brasileiro de que veio a alegria e um pouco de loucura. Tudo isto emaranhado sou eu e não sei quem sou, nem para onde vou, com um oceano ao meio sempre dividido, a voar, a voar sem parar”.
04 Outubro 2024
27 Setembro 2024
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