‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações
Voz aos Escritores
2023-10-20 às 06h00
A Prima Donna que encantou o Mundo teve uma vida curta e triste. Maria Callas nasceu a 2 de Dezembro de 1923 em Nova York, segunda filha de um casal grego que emigrara para fazer as Américas. A Mãe rejeitou-a assim que a menina soltou o primeiro brado na voz que viria a deslumbrar milhões, a parturiente queria um rapaz loiro e de olhos claros que viesse tomar a vez do filho Vassilios, que no Verão de 1922 lhe morrera com dois anos. A matriarca já tinha uma filha, não queria outra, muito menos de cabelos e olhos escuros. O astrólogo que lhe garantira um rapaz na gestação vindoura, a reencarnação do filho perdido, enganou-a. Litsa Kalogeropolus, apelido da família americanizado Callas, por quatro dias recusou a filha recém-nascida num desprendimento rancoroso que definiria o relacionamento de ambas. O casamento dos Callas não resistiu às incompatibilidades temperamentais dos cônjuges agravadas pelas dificuldades financeiras, a América mostrara-se outro logro para a ambiciosa Litsa que em 1937 livra-se do depauperado marido e regressa à Grécia com as duas filhas, cachopas em quem depositava os trunfos do almejado sucesso financeiro. Maria, a mais nova, apesar de gorda e tímida, míope de sobrancelhas mefistofélicas, patinho feio desengraçado que a envergonhava sobremaneira, tinha uma voz do outro Mundo. Quando cantava a adolescente disforme elevava-se a patamares celestiais e estancava boquiabertos quem a escutava. Na travessia transatlântica rumo à Grécia, Maria, a sua pequena baleia com voz de sereia, encantou os passageiros do navio encenando a Habanera de Carmen. Perspicaz no potencial da segunda filha, Litsa falsificou-lhe os documentos alterando-lhe a idade e Maria pôde ingressar no Conservatório Nacional, cujas propinas eram pagas pela exploração da filha mais velha, Jackie, moça de rara beleza amancebada com homem de fartos recursos apaparicado pela matriarca pouco dada à lamechice, mas ciente da essencialidade da bajulação no prendimento do macho abonado. Maria foi mal recebida no Conservatório, apontavam-lhe o sotaque americano, a ignorância na leitura das partituras e a voz inapropriada à luz dos clássicos. A insegurança da jovem crescia na proporção da sua dependência materna e foi a lendária soprano espanhola Elvira de Hidalgo quem a resgatou da maledicência mesquinha com laivos de invejidade, tomando-a como sua discípula. As provações da Segunda Guerra Mundial estenderam-se à soprano Maria Callas que se estreara a solo no Teatro Pallas em 1941 e durante o conflito cantou a troco de milho, arroz e feijão. Em Setembro de 1945 regressa aos Estados Unidos da América e volvidos dois anos, durante o Festival de Verona que marca o início da sua internalização, conhece Meneghini, um homem atarracado, careca e anafado apaixonado por ópera, fabricante de tijolos com mais vinte e sete anos que Maria. Será seu agente e marido, um falso substituto do Pai que lhe faltou, que a explorará sem escrúpulos, um esbanjador que financiava as mordomias com o dinheiro dela. Maria sonha ser Mãe, quer constituir o lar que nunca teve, ele nega-lho, um filho fá-la-ia perder um ano da sua valiosa carreira. Maria submete-se, emagrece quarenta quilos, o patinho feio transforma-se num cisne belíssimo com voz de rouxinol, brilha nos palcos do Mundo, o teatro aliado à voz sublime eleva-a ao patamar do estrelato, soprano única, jamais vista, contudo, a fama não lhe furta a vulnerabilidade na vida privada. É explorada pelo marido, pela Mãe e pelo Pai. Onde está a paixão, o amor fulguroso que ela personifica nas personagens que interpreta? Callas julgou encontrá-lo em Aristóteles Onassis, o homem mais rico do Mundo, grego, como ela, não foi o dinheiro dele que a cativou, mas o charme galanteador do armador de barcos e a promessa de um amor operático que na realidade desconhecia. Enganou-se. Deixou o marido e fez-se amante de Onassis, por ele dispunha-se a abandonar a carreira de soprano assoluta mais idolatrada da História, a Diva por quem o público esperava dias nas filas das bilheteiras, a Divina que todos sonhavam ver e ouvir. Maria engravidou de Onassis, uma gravidez secreta que a fez rejubilar num entusiasmo oposto ao dele. Ela tinha trinta e seis anos, ele cinquenta e quatro. A má sorte perseguia-a no foro privado, o filho, baptizado de Omero, morreu poucas horas após a cesariana. Maria velou-o sozinha. Onassis desfrutava do seu iate. O Mundo não soube da breve vida deste único filho, mas Maria Callas, até à sua morte, visitou a sua sepultura no Cemitério Cívico de Bresso, perto de Milão. Onassis maltratava-a, violava-a, forçava-a a consumir drogas para abusar dela, ele próprio consumia metanfetaminas e estimulantes sexuais receoso do fraquejar da sua virilidade alardeada em amantes e casas de prostituição. Maria tudo lhe perdoou. Deixou-o quando soube que ele ia casar com a Jaqueline Kennedy, mas esperou que ele voltasse e acompanhou-o nos seus derradeiros suspiros. Maria abandonou o canto. A Divina emudeceu para o Mundo e partiu aos cinquenta e três anos nos braços da governanta. A Mulher que teve o Mundo aos seus pés, foi pisada por todos os que fingiam amá-la.
04 Outubro 2024
27 Setembro 2024
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