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Braga, quinta-feira

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M de Março. M de Maria. M de Mulher

E a guerra continua...

Voz aos Escritores

2018-03-09 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Sou maria, simplesmente maria, não pelo folhetim que causou furor na década de setenta, uma novela repleta de amores pungentes e paixonetas cândidas, mas porque trago em mim todas as marias do mundo.
Sinto na pele o chicotear das agressões e o desfecho da morte feroz infringidas por aqueles que diziam amá-las, peles tatuadas de humilhação e desalento, conspurcadas por abusos e violações. Visto-me de burcas castradoras que me sufocam a voz, prendem-me a ousadia, coam-me o brilho do Sol e ocultam a beleza feminina.
Nos meus braços, acolho a tristeza das mariazinhas abandonadas por terem nascido com o sexo errado, é fêmea, uma carga de arrelias sem regalias futuras, rosnam os progenitores desiludidos. No meu colo, embalo as mariazinhas feridas pela mutilação genital e as presas inocentes da pedofilia. Os meus seios jorram o leite daquelas a quem os filhos foram retirados, arrancados dos corpos maternos dilacerados, filhos perdidos nas sendas da obscuridade.
Os meus olhos trazem as marias que vejo na rua, usadas em troca duma nota suja por aqueles que nelas despejam os instintos básicos e as frustrações reprimidas, que as largam de seguida como se fossem bonecas descartáveis, monas sem conteúdo nem alma.

Mulheres exploradas pelos vampiros do proxenetismo. Mulheres agiotadas pela avidez empresarial a laborarem em condições desumanas, ganhadoras de salários rastejantes, pagos por horários sem horas. Mulheres amordaçadas, objectos de interesses casamenteiros. Corpos feminis a servirem os corpos legitimados que as cobrem a bel-prazer.
Nos meus ouvidos, ecoam os gritos de todas as marias provindos dos quatro cantos do planeta, mulheres que desde os pretéritos idos de Março lutam pelo voto, pela igualdade de oportunidades e de direitos, marias que deram a vida por causas nobres, não se subjugaram à tirania social que as confinava a ambientes domésticos, onde dominavam a paz podre e os rituais misóginos, marias espancadas nas greves, marias apedrejadas, incendiadas vivas, enforcadas, marias portadoras de cartazes provocatórios e queimadoras de sutiãs.

Por tempos imemoriais a Terra é dominada pelo homem. A discordância é vetada às mulheres, recriminada, punida. Os ecos das marias são longínquos, mas desde o início do século passado avivam-se em partes de alguns continentes. Noutras, permanecem abafados. A necessidade de mão-de-obra, provocada pelos dois grandes conflitos bélicos, abriu às mulheres as portas do mundo laboral e do universo académico. A voz das mulheres alastra-se pelas universidades e instituições, pela ciência e cultura. O conhecimento e a liberdade financeira empoderaram-nas.
Estamos nos primórdios de uma nova era. O caminho a percorrer é longo, sinuoso e pedregoso. As marias dos ditos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento continuam a ser alvo da discriminação, do preconceito e da injustiça. Muitas delas para tal contribuem, ainda que inconscientemente, oh, cor-de-rosa, tão mimoso, é de menina, os rapazes não gostam dos filmes das princesas Disney, comporta-te, filha, pareces uma maria-rapaz, levanta a mesa e estende a roupa, mariazinha, o teu pai e o teu irmão andam estafados, coitados, trabalham tanto!

Nós, marias, não queremos que o mundo seja povoado somente por Amazonas. Não desejamos a Terra vazia de masculinidade. O mundo é das mulheres e dos homens.
Ambos têm de aceitar as peculiares diferenças de cada género e conviverem lado a lado, nunca de baixo para cima.
Nós, marias, exigimos respeito e a concessão das conveniências ofertadas aos homens.
À semelhança da Mãe do Criador, o nosso nome é Maria. Não somos imaculadas, mas sagradas e femininas, como a Mãe Natureza, fadadas com o poder de gerar seres e de espantar o Universo, a cada instante, com o misterioso milagre da vida.
Somos, simplesmente, Marias-Mulheres.

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