Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Voz às Escolas
2017-11-13 às 06h00
De vez em quando a vida prega-nos algumas partidas, umas boas, outras nem tanto, outras difíceis de classificar. Sabemos, apenas e claramente, que foram “momentos de vida” em que, de uma forma ou de outra, crescemos. Foi um desses momentos de vida, difíceis de classificar, que ocorreu na Escola Secundária de Alberto Sampaio no passado dia 25 de outubro. Nesse dia, Werner Reich, de 92, muito lúcidos, anos, testemunhou, em primeira mão e com uma crua e objetiva simplicidade, o horror racionalizado do fenómeno Nazi a uma vasta e respeitosa assistência.
Poder ouvir, mais de setenta anos depois e em voz direta, um dos pouquíssimos sobreviventes do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, um dos “Mengele Boys”, judeu selecionado para trabalhar, porque saudável adolescente, nas estrebarias dos esbirros, contar a sua vivência, é daqueles privilégios que já pensávamos não poder disfrutar. Mas o seu relato, simples, direto, conciso, foi também um estalo na cara para todos o que o ouviram. Se há momento emblemático da história humana, é o nazismo. O total colocar da racionalidade e da técnica ao serviço de um fútil, cínico e estruturado extermínio do seu semelhante.
Antes da palestra começar, Werner Reich pediu-me: “não quero luzes em mim: gostava que eles - os jovens - se concentrassem apenas nas imagens que vou projetar”. Da humildade do autor, surge então uma apresentação sem adereços - mas sincopada e forte -, de factos e imagens cruas da ascensão do nazismo.
Criado o contexto, então a proximidade que torna em algo concreto aquele números e imagens: a sua própria história. A leviandade com que, como adolescente, assiste ao emergir do nazismo: “Para mim, Hitler, Göring e os outros eram objetos de anedotas, apenas”, não algo para ser levado a sério. A fuga da Alemanha, a última vez que vê a mãe, de uma janela, no pátio de uma prisão em Zagreb - para onde a família fugira -, a vivência, antes de ser preso, escondido numa casa de resistentes, o silêncio sobre o destino da irmã e a intencional inconsciência de como a sua mãe morreu, os espancamentos, as marchas forçadas ao gelo e à neve, culminando na imagem da criança que viria a ser sua mulher, uma das salvas do terror pelos “Justos” (um dos exemplos que refere: Aristides de Sousa Mendes), foram diversos os momentos em que a vasta e silenciosa plateia, com muitos sentados no chão e nas escadas, se emociona.
E que “Justos” são estes que Werner Reich refere? Todos aqueles que, face à agressão ao seu semelhante, não se mantêm no grupo dos “Indiferentes” (ou, como Werner, no original, os refere: “The good people who did nothing”). Numa constante ponte para os fenómenos da atualidade, ele divide os homens em quatro grupos “os Agressores” (“The Bullyers”), “as Vítimas”, “os Justos” e “os Indiferentes”. Todo o cerne da sua palestra foi sobre o papel deste último grupo e como cada um não se deve manter nele, mas transferir-se para os “Justos”, “Se virem algo errado, falem, façam alguma coisa”. Um dos passos para sair dos “Indiferentes” para os “Justos”? “Help someone without beeing asked”. Para ecoar para a posteridade, enquanto responde às inúmeras perguntas da assistência, atrás de si permanece o último slide que escolhe, com as palavras de Martin Luther King em cru preto e branco: “In the end, we will remember not the words of our enemies, but the silence of our friends “.
Não tenho dúvidas que, para os afortunados alunos que assistiram a esta palestra, incluindo jovens ciganos, também eles vítimas do holocausto (em Romani, “Porajmos”, significando literalmente 'devorar'), este foi um momento privilegiado de construção do seu ser. Saibam manter viva a mensagem.
Em idêntica tónica, mas sobre a mesma realidade de combate à violência do homem pelo homem, outro grupo de alunos assistiu, no dia seguinte, a uma “aula de sociologia viva” (como a denominou uma professora de outro agrupamento) pelo músico Carlão (também ex. vocalista dos DaWeasel). A sessão, de apresentação de um Projeto de Promoção do Interculturalismo, “Diferentes mas Iguais”, contou com a interpretação de três músicas ao vivo e o lançamento de um livro com ferramentas de reflexão e autoconhecimento, dados teóricos, jurídicos e estatísticos, bem como com histórias ficcionadas sobre racismo, discriminação étnica e xenofobia. O projeto, de iniciativa de uma empresa bracarense, A Betweien, contou também com o apoio da Câmara Municipal de Braga, que fez chegar a sua apresentação a cinco agrupamentos da cidade.
Como promotores de um Projeto Educativo humanista, que busca a “garantia da centralidade da condição humana”, também não poderíamos recusar a promoção de um terceiro momento maior: no próximo fim de semana, mais concretamente no domingo, às 17:30 e às 21:30, Braga poderá assistir, no Auditório Vita, ao Musical “Street Light”, pelo Grupo GenRosso, que contará com a participação de cerca de duas centenas de alunos voluntários da ESAS.
Este musical, de elevada qualidade e de mensagem contra a violência entre próximos, será precedido de dois dias de workshops intensivos, na quinta e sexta-feira, de preparação dos alunos.
A participação na oferta do GenRosso de, no retorno de uma tournée no Brasil, voltar a Braga (após o sucesso da sua última vinda há cinco anos), não poderia, de modo algum, ser recusada, por constituir, mais uma vez, um momento maior de formação, aqui não só humanista, mas também técnica e de envolvimento em projetos, para os nossos jovens.
Uma palavra para todos os que o estão a tornar possível: a Associação de Pais da ESAS, a Diocese, A Câmara Municipal e as inúmeras empresas patrocinadoras e voluntários.
O que entendemos que deve ser o espaço escola? Um que, a cada ação, procura transformar aqueles que com ele se cruzam. Não temos dúvidas de que estes três momentos maiores contribuíram, e muito, para esse desígnio.
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