Miguel Macedo
Ideias
2025-02-17 às 06h00
Não sei se recorrentemente, mas, seguramente, não será a primeira vez, o tema da qualidade da produção legislativa em Portugal é tema abordado nestas páginas de jornal, na expressão e no reflexo da perplexidade que, tantas vezes, invade o autor das palavras escritas perante a qualidade da mesma produção legislativa. E tal acontece, não tanto como resultado da concórdia ou desacordo, da pertinência ou extemporaneidade sobre e das leis formuladas e em prática, antes, sinal de reconhecimento e conclusão de um conjunto de princípios e premissas, de todo, contrários à prossecução da bondade e justeza dessas leis, julgando-se que a denominada “nova ou alteração da lei de solos” é disto verdadeiro e maior exemplo (sendo a própria designação “lei de solos” um primeiro sinal de toda esta realidade. Na verdade, o que se alterou foi o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, tendo sido aditados novos procedimentos. A “lei de solos” permanece inalterada!)
Destacam-se três evidências: legislar perdendo o foco e o âmbito dessa legislação; legislar excepção aplicável a excepção, num processo de sucessivas excepções e que corre o risco de tornar a regra a própria e maior excepção; legislar porque o tempo urge e são necessários efeitos (quase) imediatos, não tendo em conta que há legislação (independentemente da sua bondade e justeza) que é de resultados lentos e estendidos no tempo.
Procede-se a trabalho legislativo para promover ou perseguir a resolução habitacional na convicção de que uma das grandes causas para a crise habitacional vivida é a falta de oferta de solo urbano, ou seja, aquele destinado preferencialmente à urbanização e construção, sobretudo habitacional. Desta forma, ambiciona-se transformar solo rústico (isto é, aquele que, preferencialmente, não se destina a urbanização e construção e não reúne condições infraestruturais para tal), aumentando a capacidade edificatória disponível. Ora, sabendo-se que a maior carência e dificuldade situa-se grandemente nos maiores municípios como Lisboa, Porto, Cascais, Sintra, entre outros, sabe-se também que, nestes, o solo rústico é reduzido, residual, mesmo nulo. Em síntese, lei criada, mas não aplicável (na prática) por ausência de contexto e suporte para tal…
Procede-se à modificação da lei, focando essa modificação numa norma excepcional da lei anterior, norma essa já de si excepcional relativamente à anterior versão. Ou seja, no reconhecimento eventual de que é a regra que estará mal, não se corrige a regra, excepciona-se a mesma... forçando um caminho em que a regra se transforma em excepção!
Procede-se à produção de normativos regulamentares porque são necessárias respostas urgentes para superação de problemas evidentes e de crescimento imparável e, depois, desenha-se um edifício procedimental (mesmo assim, supostamente, simplificado) que demorará tempo, muito tempo a concretizar e a produzir efeito. Consensualizou-se que a resposta tem de ser “para ontem”, mas regulamenta-se para obter resultados “depois de amanhã”.
O pessimismo pode ter tomado conta destas palavras. As mesmas podem até correr o risco de simplificação excessiva, mas serve esse excesso, não para retirar força verdadeira ou real à leitura feita, antes para acentuar a incoerência, a pouca sensatez e a menor agilidade no trabalho desenvolvido.
Independentemente da discórdia sobre a substância e modo da lei, não há como evitar a leitura de um processo enviesado e desfocado da sua verdadeira essência: disciplinar para melhor controlar o arbítrio ou inacção. Incentivar para acelerar e concretizar.
Não há como evitar e lamentar. Porque, no fim… todos perderão: uns porque não conseguem a disponibilização de mais fogos, outros porque não conseguem aceder a um fogo, todos porque arriscam a assistir a uma ocupação territorial (ainda) mais desconexa, polvilhadora e predadora de solo, quem sabe, errática, seguramente contrária ao que precisava o território. E, acredita-se, contrária ao que todos nós desejamos!
19 Março 2025
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