Correio do Minho

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“O tempo inexistente”

Ettore Scola e a ferrovia portuguesa

Voz às Escolas

2014-11-10 às 06h00

João Andrade João Andrade

“Infelizmente não consigo!”, “Queria ter feito melhor, mas não tive tempo.”, “Se tivesse pensado antes, não teria feito assim…” Estas são frases comuns nas organizações escolares dos dias de hoje. A cada vez maior carga com o cumprimento das incontornáveis atividades diárias, associadas à resposta, que se pretende sempre urgente, às inúmeras solicitações inesperadas - que, de tão comuns, acabam por se tornar, também elas, parte integrante da rotina -, retiram um fator crucial ao sucesso de uma organização, o tempo para refletir.

Mesmo quando pouco tempo existe, este é mais usado para refletir a eficiência, ou seja, se realmente se está a fazer o que pressupomos necessário da melhor forma, ao invés de investir esse tempo num conceito superior, mais exigente em termos do seu dispêndio e investimento reflexivo, a eficácia: se realmente estamos a fazer o que a nossa missão, efetivamente, obriga. Este último conceito, muito mais complexo e perturbante em termos do “ser” profissional, implica também refletir, antes de tudo, qual é, realmente, a missão a que nos encontramos vinculados.

A ausência desta última reflexão reduz-nos a um exercício mimético, de fazermos o que pressupomos ser o nosso papel, repetindo práticas definidas por outros, ao invés de refletimos qual é, efetivamente, o nosso real papel: reduzindo-nos a peças acríticas de um mecanismo por outros concebido, estigma já tão bem retratado - bem como suas consequências - no longínquo “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin.

No caso da profissão docente esta redução é particularmente crítica, porque grande parte da sua formação foi dedicada precisamente à reflexão sobre a sua profissionalidade. Mas a vertigem laboral a que depois é sujeito retira-lhe toda a hipótese de retomar de forma consequente, agora que em confronto efetivo com a realidade educativa, essa reflexão original. Construindo, ainda, um desencanto com a profissão e contribuindo para um cada vez mais crescente stress ocupacional.

O exercício diário da profissão docente é dos mais exigentes: noventa minutos de uma aula eficaz e eficiente, pressupõem todo um investimento prévio na sua preparação; uma avaliação rigorosa e responsável implica todo um investimento temporal significativo; gerir responsavelmente um grupo turma, com toda a sua heterogeneidade motivacional e de bases, implica não só uma concentração impar no espaço de aula, como todo um investimento prévio, no diálogo com pares e família. Não omitindo, ainda, o afã legislativo, os currículos a cumprir, o gerir a unidade escola, etc.

Esta urgência de um tempo inexistente no horário laboral obriga, muitas vezes, a ir buscá-lo a uma outra unidade onde ainda é mais ilegítimo fazê-lo: a família.
Este é um problema dos tempos modernos, não exclusivo da escola e da profissão docente, que urge resolver. É necessário tempo para pensar o “ser”, nas suas diversas dimensões.

Libertarmo-nos desta corrida infinda, sob uma ínvia noção de progresso, de metas sucessivamente preconizadas e incrementadas. Se esta corrida não é mais do que uma infindável sucessão de fins, então é mais do que tempo de nos concentramos nos meios. Chegando, assim, talvez à inevitável conclusão que muito mais importantes que os fins, são os meios. E que para os meios há sempre tempo…

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