‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações
Voz às Escolas
2023-02-06 às 06h00
Nunca tivemos um mundo formalmente tão democrático como o atual, onde, consequentemente, e pelo menos na aparência, as nações se regem pela vontade dos respetivos povos.
No entanto, é este o mesmo mundo que – paulatina, de forma suave e à vista quase indiferente de todos – pode estar a caminhar para uma destruição global inimaginável que ponha em causa não só a humanidade, mas o próprio planeta.
E, num contexto que não há muito consideraríamos impossível, a partir do conflito armado entre duas democracias formais, com órgãos e lideranças eleitos a partir de processos de auscultação universal dos respetivos povos.
Sei que gostaríamos de acreditar que a guerra só subsiste porque um dos povos – o russo – não está a par da verdade – convenientemente, a nossa – sobre o conflito. E que, se devidamente informado, se revoltaria contra a sua liderança e a guerra terminaria.
Com se pôde observar no decorrer de já um ano inteiro de infeliz conflito, tal não aconteceu.
E, apesar do boicote aos grandes meios de comunicação de ambos os lados (alguém consegue aceder, nos nossos serviços de televisão por cabo, a um canal de televisão russo, como antes sucedia?), a sociedade de informação atual – e a Internet, que a Rússia integra – deveriam ser mais do que suficientes para fazer com que as diversas visões sobre o conflito chegassem às partes, mesmo considerando o bloqueio das principais plataformas digitais.
O que sucede é que todas as partes estão fechadas sobre a sua própria visão da verdade, a que a cada um convém, porque serve o desígnio maior da sua intolerância, enquanto tendência para não ouvir nem aceitar ideias, opiniões ou atitudes diferentes das suas ou, em contextos mais extremos, a própria existência do outro.
Já há décadas que a intolerância vem, paulatinamente, ganhando terreno em todo o mundo, incluindo, nas décadas mais recentes, na Europa e no mundo ocidental.
No início deste Século, com o fim da guerra fria, o avanço dos regimes democráticos no mundo e nenhum conflito aberto significativo entre ou intranações, estávamos convencidos de estar perante o início de um novo paradigma de mundo, de progresso pacífico, prevalência de valores e onde os grandes conflitos se tinham convertido num cenário impensável.
Mas a História faz prevalecer sempre a sua razão… As sementes do nosso momento atual estavam lá: as tensões regionais resultantes da desagregação do antigo bloco de leste; o radicalismo islâmico; a diferença, ao nível das condições de vida, entre o primeiro e o terceiro mundo; e a retração do estado social, consequente à ascensão e primazia dos mecanismos de mercado, em rédea solta com o fim da ameaça do coletivismo.
Tivemos, assim, os ataques terroristas ao ocidente, a consequente guerra no médio oriente, a primavera árabe, o crescendo, e consequente chegada ao poder, um pouco por todo o mundo, de movimentos políticos de discurso radical e populista, e a construção de uma nova dicotomia leste oeste, atualmente com expressão maior na guerra da Ucrânia, mas podendo, perfeita e para mal de todos nós, não ficar por aí.
De muito se alimenta a intolerância e muito a intolerância alimenta. Por via da mesma, criam-se – e as lideranças populistas e medias que se reduzem ao mínimo denominador comum e visões convenientes da realidade - contextos a preto e branco, habitados ou por deuses, ou por demónios. Tornando-nos incapazes de nos apercebermos que é nos matizes do cinzento e do humano, onde o outro é visível e próximo, que reside o único espaço de aproximação possível para a construção de pontes e de diálogo.
Ver uma notícia sobre qualquer incidente da atual guerra, seja no ocidente ou na Rússia, é uma evidência clara do ponto extremo a que se leva esta realidade dicotómica, potenciadora da intolerância que, juntamente com o orgulho, torna impossível qualquer recuo.
Portugal, que até há bem pouco integrava, como parte da sua identidade, a tolerância, traduzida frequentemente como “brandos costumes”, infelizmente não tem sido alheio a esta ascensão dos discursos mais radicais. Alimentando-se, frequentemente, da genuína e legítima insatisfação de muitos, esses discursos radicais e intolerantes perderam a vergonha, tornando-se cada vez mais frequentes.
E, face à impopularidade – ou incapacidade - de propor verdadeiras soluções, sempre difíceis e custosas, para os reais problemas das pessoas, colocam o enfoque no conflito, refugiam-se em discursos fáceis de culpabilização do outro, visto sempre como algo menor, desprezível e a eliminar. Pensamos que é em todo este contexto, de perca de vergonha para assumir discursos radicais e de alimentar da intolerância perante o outro, que, pouco a pouco, fenómenos de xenofobia e racismo têm vindo a ocorrer, quer em surdina, quer expressivamente, no nosso País.
Culminando no exemplo, muito recente, da agressão bárbara e abertamente intolerante a um emigrante asiático por parte de um grupo de jovens, na cidade algarvia de Olhão.
Situação tão contra o que tínhamos como nossa “natura” nacional, que levou o Presidente da República a considerar que o ato "praticado por outros jovens, portugueses," constitui "um alerta para os pais e educadores quanto ao risco de um clima que é tudo menos democrático".
Não é por acaso que, nos movimentos de discurso mais radical e intolerante, a educação ou a cultura não mereçam mais do que alguns parágrafos ou lugares comuns. O discurso intolerante simplista só se pode combater através de uma sociedade educadora, que prepare os jovens para a complexidade do real e do humano e para a procura do diálogo em detrimento do conflito.
A todos nós – muito particularmente às famílias, escola e media formal – cabe-nos responder a este e a outros alertas. Centrando todo o processo formativo dos nossos jovens em valores humanistas, iniciando-se na obrigatoriedade do total respeito pelo outro.
07 Outubro 2024
30 Setembro 2024
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