As férias e o seu benefício
Ideias
2023-04-18 às 06h00
Este é o título de um livro que se debruça sobre os famosos estudos de opinião, da lavra de Alexandre Guerra e de Diogo Agostinho, este último alguém que conheço há muitos anos.
Sem desprimor pela conclusão maior da obra – a de que as sondagens não falham assim tanto – o que me interessa, para os efeitos deste texto, é focar a institucionalização destes inquéritos como medida da intervenção presidencial na dissolução da Assembleia da República. O famoso poder nuclear do Presidente.
Como é sabido, Marcelo Rebelo de Sousa erigiu a critério definidor do momento em que pode ou não decidir pela dissolução da Assembleia da República o ponto em que as sondagens devolvam ao panorama político português um cenário em que o PSD possa governar sem que dependa do Chega e, para tanto, terá de somar, em sondagem, repito, um valor de votação previsional superior ao dobro dos votos intencionais neste Norte-coreano partido.
Repare-se na inanidade do argumento. A democracia, em Portugal e de acordo com o atual Presidente da República, depende de critérios insondáveis, não escrutináveis e puramente privados. Está entregue às empresas de sondagens a vontade de um povo, personificada no órgão de soberania Presidente da República.
Tempos estranhos estes em que se coloca na mão de muito poucos o destino de todos. Saberão os respondentes aos inquéritos que a sua opinião é determinante para a manutenção ou interrupção de um Governo legitimamente eleito? E expressariam essa mesma opinião em sondagem caso soubessem do peso institucional que releva do seu veredito telefónico, ou obtido na rua, entre o autocarro para o trabalho e apanha dos filhos na escola?
Eu votei em Marcelo Rebelo de Sousa duas vezes, mas simplesmente porque não havia melhor.
Confesso que não me pode desiludir aquele que se embarretou com o chapéu de cata-vento do reino, mas continua a surpreender-me pela insensatez institucional que demonstra. Sobretudo porque sempre se assumiu e exerceu as funções de Professor de Direito Constitucional.
Não me entendam mal, percebo bem que não se pode levianamente colocar em causa um Governo por mero palpite de ocasião e por capricho subjetivo. Mas eu julgava que era por isso e para isso que elegíamos um Presidente da República e que por isso era que os nossos impostos sustentavam uma pesada estrutura de apoio a quem assumisse essas funções. Enganei-me…ou então - hipótese muito pior -, quem ocupa o lugar de Presidente enganado está.
É que nem as sondagens são indicador fiável, nem podem servir para um Presidente da República avaliar da (des)necessidade de uma potencial dissolução da Assembleia.
Esse ato nuclear representa, em si mesmo, uma razão de ser, uma consequência de uma degenerescência governativa, de uma paralisia de ação ou de uma total incapacidade para fazer face aos desafios e impotência para exercer as prerrogativas de decisão inerentes à função de Governo ou de legiferação.
A dissolução da Assembleia da República é um ato para o povo, pelo povo, mas é, também, simbolicamente, contra o povo. É o resultado de uma ponderação aturada que não se prende no facto de os eleitores terem tido ou não razão no passado e, muito menos, na eventualidade de estes terem ou poderem vir a ter razão (diferente) no futuro.
É o final de um processo de maturada reflexão sobre os fundamentos democráticos do regime e que há de ser sustentado na constatação de que a manutenção de um poder legítimo é ilegítima quando em confronto com a necessidade do bem maior republicano, que é o de preservar um sistema somente e apenas enquanto tal sistema funcionar em benefício do povo que o instrumentaliza (e bem) em seu favor.
Ao subverter estes pressupostos simples e fundamentais do que deve suster ou esboroar os alicerces de uma maioria, de um Parlamento e de um Governo, Marcelo funciona contra si, contra o povo e contra o país que o elegeu.
Não, não é só a maioria que reclama dissolução por indecente e má figura. Dissolvido precisa de ser também o Presidente, de preferência na água suja da democracia. A tal que não oferece soluções ótimas perante problemas sérios; a tal que tanto pode redundar na clarificação perante o pântano, como num lodo ainda mais vil. A tal que pode, até, - que todos os Santos e Deuses nos livrem e guardem – devolver como veredito a escolha do Chega como partido (se algum dia o foi) ultramaioritário do panorama político português.
À pergunta seminal “O sexo é sujo?” respondem os franceses “só se for bem feito”. Marcelo, igualmente enojado, perguntará se a democracia tem de ser suja? Eu, mero cidadão desapossado, igualmente lhe repondo, só se for bem feita.
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