As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2020-12-18 às 06h00
De quando em vez somos assaltados pela vergonha a ponto de colocar Portugal no pior que o terceiro Mundo produz. O último episódio ganhou luz com meses de cativeiro. Falo da morte do ucraniano Ihor Homenyuk, às mãos de três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Morreu a 12 de março e só por estes dias – à custa da imprensa e de um ping-pong de argumentos que estala qualquer paciência – é que alguém com responsabilidades decidiu pegar no caso como devia ter sido feito. Não só a espera, por si só, é inqualificável, como o que aconteceu nas paredes do Centro de Instalação Temporária (CIT) do aeroporto de Lisboa é macabro.
Primeiro é garantido, pelo SEF, que houve morte acidental com base na declaração do INEM onde está escrito «paragem cardiorrespiratória presenciada após crise convulsiva». Porém, a autopsia revela asfixia mecânica, descrita nos relatórios periciais, classificada como «medonha, hedionda, inqualificável», termos utilizados por Cristina Gatões, a agora demissionária diretora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Antes de sair o inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna – implica no crime mais de uma dúzia de elementos do SEF, vários seguranças privados e um enfermeiro – na ficha de entrada no Instituto de Medicina Legal pode ler-se que o ucraniano tinha sido encontrado na rua. Este malabarismo cedo perdeu veracidade a ponto de ficar concluído que todos, sem exceção, poderiam ter evitado a morte deste imigrante. Deste rol, o holofote está ligado, já com culpa imputada, em despacho de acusação do Ministério Público, a três inspetores. Os nomes, para mim, são irrelevantes. Importa é que a balança da justiça trabalhe.
Envergonha este relato numa pátria emigrante que tudo deve a países que receberam e recebem milhões de portugueses Mundo fora. O que seria de nós se a França, Brasil, Estados Unidos e tantos outros usassem o bastão, o soco e o pontapé, as algemas e provocassem o cair da urina pelas pernas? Não basta agora gritar quando houve meses de silêncio. Portugal quer mais do que proceder, em lei, à separação orgânica entre as funções policiais e administrativas de autorização e documentação de imigrantes. Não basta um protocolo entre o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, para garantir assistência jurídica do Estado, em todos os aeroportos, a cidadãos estrangeiros a quem seja recusada a entrada em território nacional. Não basta que as cadeiras dancem. Pouco me importa a nova nomenclatura que está a ser desenhada. Exige-se uma reestruturação que não seja figura decorativa e que a reforma chute com este sinistro embaraço diplomático, ilustrado em frases como «Agora, ele está sossegado» e «Hoje, já nem preciso de ir ao ginásio». Os gracejos, só para que conste, saíram da boca dos inspetores, homens pagos por todos nós, num Estado que se diz de bem. Assassinado, deixa viúva e dois filhos menores. A indemnização vai sair dos nossos bolsos. Para quando responsabilizar todos por igual? Quem está no Estado tem chapéu. Os outros que se amanhem.
Este campo está tão minado que o coro de vozes saí até das mais altas instâncias. Maria José Morgado, a conhecida procuradora, que está a sair de cena – acontece no final do ano – ao fim de 40 anos de palco, defendeu há dias que «estamos a caminhar para um Estado de exceção». Um Estado «perigoso» onde «todos os dias se diluem de forma difusa os limites entre ditadura e democracia». O rosto maior da luta contra a corrupção em Portugal nas últimas décadas, concluiu que uma dessas formas «é a perseguição de quem não pensa de acordo com as regras do sistema».
Não obstante, a desonra que vivemos não tem apenas o selo na nossa testa. Saber que ainda existem mais de 30 países com leis contra a blasfémia e 90 com legislação contra o discurso do ódio, é saber que, ao virar da esquina, podemos tombar. Não há botão de pânico que nos valha.
19 Julho 2025
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