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A responsabilidade de todos

Conta o Leitor

2018-08-30 às 06h00

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Autor: Carlos Alberto Rodrigues


Ele perdera-lhe o rasto quando entraram na idade adulta e tinham deixado para trás toda uma juventude plena de aventura, paixão e amor. Mas irrequieta também. A primeira vez que ele a viu, uma certeza instalou-se de imediato.
Lembra-se de a ver rodopiar num corpo de bailarina. Memorizou-lhe a voz rouca que entoava cânticos de temas conhecidos à época de nomes do rock feito em português no pátio que antecedia a entrada no bar da rua onde moravam. Era por ela que ele lá ia amiúde atraído pelo canto mas também pelo belo corpo e seu olhar que há muito já encontrara o dele, também. Sorriam. Podia sentir a rebeldia nos seus gestos e expressões corporais.
Foi fácil a simbiose entre ambos pela semelhança de opiniões, gostos e tendências – musicais, da visão sobre a vida e vontade em alargar horizontes - Aventurar-se. E foi isso que fizeram durante muito tempo. Partilharam durante anos a mesma mochila e tenda, vagueando entre o Gerês e as serranias algarvias, movidos pela paixão mútua pela natureza ou entre Vilar de Mouros e Lisboa quando a temática era música ao vivo em concertos noturnos que os levavam ao êxtase fosse com o rock cantado em bom português nos sucessos de GNR, Rádio Macau ou Xutos e Pontapés, fosse pelos icónicos David Bowie, Rolling Stones, Nick Cave ou Peter Murphy. Sem nunca esquecer a sua idolatrada Braga, berço de nomes que estiveram na génese da suas paixões pela arte de fazer música em português.
Viveram enamorados numa eternidade de sentimentos e emoções que só a juventude com toda a sua vitalidade podia oferecer.

“Quando te encontrei, percebi logo que ia partir numa longa viagem de prazer desmesurado. Para onde formos, sei ao menos que tu estarás sempre. Abençoo o teu rosto e o teu corpo onde tantas vezes me abriguei e te ofereci prazer, sem nada pedir em troca. Mas tu respondias com mais prazer ainda e a vontade em adormecer em teu colo para nunca mais acordar daquele tempo que apesar de ser nosso, um dia podia acabar. Depois, jamais haverá uma noite absoluta para mim. Se os deuses, mais tarde preferirem, a solidão da morte será menos solidão ao saber que te amei um dia”. Disse-lhe na plataforma da estação ferroviária no dia em que partiu para Lisboa.
O sonho dele em tornar-se um dia escritor pela paixão desde pequeno que nutria pelos livros e pela escrita, que lhe davam asas ao conhecimento, levaram que partisse para a capital para estudar literatura, deixando para trás a cidade dos arcebispos que um dia o viu nascer e com ela a sua paixão duma adolescência plena de aventuras que havia de contar um dia num dos seus livros. Tinha-lhe prometido isso mesmo antes da partida.
Já ela ficava por Braga, onde contava fazer jornalismo a par de uma carreira musical que queria sem grandes compromissos, mesmo que se resumisse sempre àquele bar que um dia abençoou uma paixão que não queria esquecer. Mas a vida logo lhes dá conta de que o seu papel pode não ser aquele que escolheu como opção. Crescer obriga a fazer escolhas e dá muito trabalho. Já não se tem aquela rédea solta e tem que se usar relógio para não perder o tempo.

Num ápice, o tempo passou ao sabor das estações. Ele, depois de terminados os estudos a que se propusera, com êxito, e de ter deixado para trás a boémia das noites mal dormidas entre o vinho e a necessidade de concluir o curso, ia voltar à velha cidade que nunca esqueceu. Preferia esquecer os pecados de uma vida desregrada refletida nos vícios que se tornam mais fáceis de alcançar na grande cidade. Longe de tudo e de todos como uma espécie de reencontro com um passado que queria presente.
Chamavam-lhe “o eterno preocupado” por ser incapaz de se libertar do peso do mundo que voluntariamente tinha puxado para ele, sobre os seus ombros. Pensou ter sido imprudente por querer ajudar os outros, mesmo que não estivessem perdidos tal como ele se encontrou muitas vezes por lhe faltar alguém que deixou no seu passado. Pensou se tinha feito a melhor opção. Mas rapidamente interiorizou que era debalde pensar daquele modo como se fosse possível regredir no tempo. Quem dera, às vezes o jeito que dava, não é?

De positivo apenas o “canudo” que lhe permitia mostrar que nem todo o tempo foi gasto desnecessariamente. Havia de perder aquela disputa ousada em querer lutar contra a realidade que é a vida. “Para isso é que crescemos”, pensava ele. Mas outra vez, na sua memória rostos daquele tempo em que era feliz pediam-lhe reflexão:
“ Não valia mais a pena lutar contra o tempo: o amor foi suficiente”, diz no final, entendendo o que sentia bem no fundo da alma. Sim, pela completa ausência de amargura ou rancor ou de arrependimento, entendia que o amor foi suficiente.
Soube dela, novamente, anos mais tarde, já em idade bem madura, entre o espectro radiofónico da cidade. Era responsável por um programa de Rock bastante conhecido entre a camada juvenil e que fazia vibrar os amigos com as suas músicas preferidas.

- Boa! Conseguiste! – Disse bem alto, enquanto sorria como se tivesse acabado de vencer a lotaria. Saber que tinha a sua amizade e quiçá ainda o seu amor dava-lhe um enorme prazer e como num filme passou em mente alguns momentos que passaram juntos, das conversas sem fim, dos seus segredos e estórias, das preferências literárias, algures entre Altino do Tojal e Júlio Dinis passando por Vitor Hugo ou Tolstoy; musicais onde predominava o rock ou a música indie, e atiravam aos ventos nomes como os Xutos, a Sétima Legião ou Pop d'ell Arte Linha Geral ou GNR. Ainda havia lugar para Joy Division e Iggy Pop ou The Doors.
A preferência era portuguesa e bracarense, quando tocavam à sombra de um Deus em plena cidade dos arcebispos os sons de outros tempos que vinham de Mão Morta, BateauLavoir, Baile de Baden-Baden ou Rua do Gin.
Pensou que tinha de a visitar no dia seguinte. Havia de ficar contente com a sua presença, pois jamais deixaram de se corresponder por carta ou telefone.
Apesar de tudo confia que se salvou o Homem de uma fuga para o precipício, pois ele sabe que usou a sua força de vontade e o querer viver um dia de cada vez, com ela, para conseguir vencer esta luta que tem como prémio a VIDA

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