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Braga, terça-feira

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Histórias de vida quem não as tem...

A responsabilidade de todos

Conta o Leitor

2021-07-25 às 06h00

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Texto de Cecília Almendra

Recordo o dia em que os meus pais receberam uma carta anónima onde ameaçavam de morte a nossa família. Eramos quatro! Os meus pais, eu e meu irmão.
Tínhamos acabado de chegar do Brasil, mais precisamente de São Paulo, cidade onde nasci. Filha de pai Português e mãe Brasileira com descendência Italiana. Justamente por essa razão os nossos corações estavam gravemente comprometidos com ambos os países, nunca estávamos completamente felizes, pois se residíamos no Brasil tínhamos imensas saudades de Portugal e vice-versa.
O meu pai tinha recebido de herança uma pequena quinta em Trás-os-Montes, e por isso, viu-se obrigado a continuar o legado de família e tratar de tudo que ela acarretava. Foi quando convenceu minha mãe a vir definitivamente para Portugal com esse propósito.
Uma mudança radical! Afinal vivíamos no centro de São Paulo, na Av. Rebouças e quando a minha mãe pedia para ir comprar pão, tinha de atravessar essa avenida com oito faixas de rodagem, quatro em cada sentido com uma ilha a meio, onde esperava a melhor altura para atravessar. Mudamos desse cenário para outro completamente diferente, para irmos viver na aldeia de Samões que fica a 3 quilómetros de Vila Flôr.
A minha mãe naquela altura tinha a minha idade agora, cinquenta e poucos anos e eu tinha uns fantásticos dezoito.
Devo dizer que adorei o tempo que lá vivi! Na flor da idade era tudo giro e amigos não faltavam. Guitarradas à lareira, discotecas e passeios no rio douro. Foi um começo de vida bastante diferente do que estava habituada, mas quando se é jovem tudo flui.
Recordo como se fosse ontem as primeiras noites, eram tão silenciosas que assustava-me com o pulsar do meu coração! Como se ouvisse toda a engrenagem do meu corpo a funcionar e isso era perturbador... até ao dia que se tornou normal.
Pensei várias vezes que jamais seria assaltada à mão armada como fui no Brasil, pois não desejava isso a ninguém! Sentir as pernas a desfalecerem de medo. Contava para mim própria as vantagens de viver numa aldeia onde todos nos conheciam. Até ao dia em que chego a casa e encontro a minha mãe desesperada a chorar com uma carta na mão. Logo de seguida entra o meu pai, retira-lhe a carta e lê. Era um resgate de uma quantia de dinheiro, com indicações do local a depositar, bem como, tudo detalhadamente explicado. Tinha a seguinte ressalva: “Não abrir a boca à policia…caso contrário os primeiros são os filhos.”
Foi um mês de espera até à data assinalada na dita carta. A partir daí e com indicação da polícia de Vila Flor, a qual foi alertada para essa situação pelo meu pai, mesmo correndo todos os riscos. Fomos bem acompanhados e elucidados de como nos comportar até lá, pois o resto estava por conta da polícia local e arredores. Serviu-nos de algum consolo o fato de dizerem que o gerente do banco de Vila Flor recebeu uma carta idêntica, e por isso pediram a nossa a fim de confrontarem as caligrafias. Dito e feito, era o mesmo individuo ou a mesma gangue.
Chegou o dia X... recordo detalhadamente os passos do meu pai ao sair de casa com uma caçadeira no chão do carro, um saco cheio de jornal conforme indicação da polícia e no canto do olho uma lágrima, pois não sabia se voltaria a casa nesse dia!
Escusado será dizer que houve um aparato de grandes dimensões, com jipes da guarda de Macedo de cavaleiros, de Moncorvo, de Mirandela etc. Espalhou-se o borburinho de que passava algo muito estranho, pois nunca tinham sido vistos tantos carros da polícia naquela zona. Conclusão da história, fizeram tanto alarido que não conseguiram lhe deitar a mão e ninguém apareceu.
Comentávamos em casa o disparate, só visto! Poucos meses depois houve um assalto a uma joalheira em Mirandela, onde raptaram o proprietário já idoso. Prenderam-no atado a uma árvore de olhos vendados. Por sorte o Senhor conseguiu ouvir um nome e através daí conseguiram apanhar os malfeitores. Ninguém suponha que era o proprietário da única discoteca de Vila Flor, um homem bem visto na vila. Confrontaram as cartas e provou-se que era ele. Foi apanhado em flagrante com todo o ouro roubado, que estava escondido nos bancos da sua discoteca.
Tudo isto, numa pacata aldeia transmontana de nome Samões, em 19XX.

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