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Frei Tomás dos tempos modernos

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Frei Tomás dos tempos modernos

Ideias

2020-06-30 às 06h00

Jorge Cruz Jorge Cruz

Se eu acreditasse em bruxarias, diria que as obras de requalificação do Mercado Municipal de Braga estão a ser vítimas de mau-olhado ou de qualquer outro golpe de magia negra, tantas e tais são as “surpresas” que vão surgindo. Como não acredito em feitiçarias, sou obrigado a procurar as razões em áreas mais terrenas, mais reais.
O propósito de intervir no velho edifício da Praça do Comércio foi avançado no lá longínquo ano de 2013, na campanha eleitoral que conduziu Ricardo Rio à presidência do Executivo Municipal. Na realidade, entre as 20 linhas de acção para os primeiros 100 dias de mandato, o programa apresentado a sufrágio dos bracarenses incluía justamente essa mais que justificada operação. Infelizmente, porém, muitas centenas de dias se passaram até se poderem ver os primeiros trabalhos palpáveis no terreno.

De facto, a empreitada relativa à requalificação do mercado viria a ser adjudicada apenas em Abril do ano passado, ou seja, quase seis anos após Rio se tornar presidente da Câmara. Na consignação da obra o prazo inicial de execução foi fixado em 300 dias e o seu montante em 4.588.772,41 Euros. Acontece, porém, que os atrasos também têm vindo a influenciar a normal execução dos trabalhos de construção, neste particular com a agravante de as sucessivas prorrogações de prazos serem acompanhadas por um brutal aumento dos custos.

Na verdade, falhadas sucessivamente as previsões de reabertura do “novo” Mercado Municipal, primeiro em Janeiro passado e depois na semana passada, por alturas do S. João, as conjecturas decorrentes da última prorrogação apontam agora o final do corrente ano como data provável para a abertura de portas. Como é óbvio, teremos que esperar para ver se tais expectativas se confirmam.
Mas mesmo que se pretendesse desvalorizar a questão dos prazos, o que não é desejável dado tratar-se indiscutivelmente de uma questão demasiado séria, demasiado relevante para ser secundarizada, outros problemas subsistem. É o caso, nada despiciendo, de as contínuas dilações se ficarem a dever à execução de um volumoso conjunto de trabalhos a mais, sendo certo que esse facto, além de poder colocar dúvidas quanto à qualidade do projecto, representa um pesado acréscimo de custos para o erário público.

Aquando do último adiamento (o segundo, por mais 154 dias), "motivado por 34 trabalhos a mais elencados no relatório", segundo denunciou na reunião do Executivo o vereador socialista Artur Feio, os custos da empreitada já tinham aumentado cerca de um milhão de euros. Montante esse que ainda não inclui, como é óbvio, a expectável indemnização ao empreiteiro, a apurar no final tendo em conta variáveis como o prazo adicional de execução, nem tão pouco o valor respeitante à sobrecarga do aluguer das tendas onde funciona provisoriamente o mercado municipal.

Acontece que na reunião de ontem a Câmara de Braga aprovou dois novos aditamentos, com um novo conjunto de trabalhos a mais, a que corresponde um acréscimo orçamental da ordem dos 425 mil euros. Assim sendo, e se não surgirem novas adições até à conclusão dos trabalhos, o que não é garantido, o erário público despenderá pela obra que marcará o segundo mandato de Ricardo Rio mais de seis milhões de euros. A este montante acrescem, naturalmente as verbas relativas ao aluguer das tendas provisórias (1,15 milhões até agora), à indemnização ao empreiteiro (a apurar no final), e aos arranjos exteriores (o projecto referia cerca de 1,1 milhões de euros).

Convenhamos que o inusual volume de trabalhos a mais não se coaduna com as boas práticas de uma gestão eficaz, exigente e competente, atributos que Ricardo Rio reclamava para si quando, ainda como líder da oposição, se apresentou ao eleitorado. Poder-se-á dizer, em abono da verdade, que parte dos trabalhos suplementares correspondem a “surpresas” surgidas no decurso de uma obra complexa de requalificação, portanto impossíveis de prever. Mas muitos outros decorrem de erros ou omissões do projecto.

Como quer que seja, a requalificação do Mercado Municipal vai sofrer um considerável incremento de custos, situação que aliás já tinha ocorrido na empreitada de recuperação do antigo Parque de Exposições. Para uma câmara que vive com fortes constrangimentos, uma câmara que aumentou exponencialmente a sua dívida a curto prazo e que tarda a pagar aos seus fornecedores, este não é, com toda a certeza, um paradigma de boas práticas de gestão. Entretanto, por estas e outras intervenções na cidade, ou pela ausência das mesmas, o edil bracarense pode perfeitamente assumir o papel de Frei Tomás dos tempos modernos e clamar alto e bom som: olhem para o que eu digo e não para o que faço! De certo modo foi essa noção que deixou transparecer na reunião da Assembleia Municipal da passada sexta-feira, numa intervenção coroada com a ideia de que “Braga é um exemplo em todas as áreas da gestão municipal”.

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