Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2018-10-01 às 06h00
Hoje acordei cedo, lembrando a última visita ao centro histórico da cidade e o café, emblemático, onde nos sentámos. Transportei-me no tempo da saudade: era neste café que comprávamos, com a nossa mãe, café moído em saco de papel. Na mesa redonda, na parte superior da sala, descansavam dois pães e o acompanhante galão, bem cheio e quente, transbordando espuma. Enquanto experienciava sabores tão genuinamente portugueses, ia observando o vai-e-vem de entradas e saídas. Reparei, por breves instantes, no músico brasileiro entoando canções de Roberto Carlos, nas pessoas que passeavam na Rua de S. Marcos, mas foi no grupo das pessoas sentadas que mais foquei a minha atenção. Reconheci amigos, mas pareceram-me, em geral, visitantes passageiros. Alguns seriam, eventualmente, novos inquilinos da cidade.
Não sendo psicólogo, dei por mim, curiosamente, a observar e a analisar alguns dos comportamentos daquelas pessoas, todas elas distintas, tentando descobrir a sua origem geográfica pela cor dos cabelos, dos olhos ou da pele, pela língua que entre si falavam, pela forma como vestiam, o que pediam, a forma como abordavam, pagavam e se despediam dos empregados daquela casa.
Notei, não sem algum pasmo, um comportamento comum em praticamente todos elas, e associei-o à vontade universal de se começar um dia belo de sol com o “seu” pequeno-almoço, com o repasto que é comum nos seus países. Algumas pessoas abordavam os funcionários de uma forma que, para mim, é bem elucidativa da imensa saudade dos paladares das suas origens. Um inglês grisalho perguntou “Do you serve English breakfast, with eggs, beans and bacon?” (Servem um pequeno-almoço inglês, com ovos, feijão e bacon?). Outro, já miscigenado, instou “Deux croissants, por favor.”, mesclando o seu francês com um pouco do nosso português. Enfim, este fenómeno de pedirem aquilo que tinham nos seus países, ou que estavam acostumados a comer, projetou-me então para o mercado da saudade, destino fiel das populações portuguesas espalhadas pelo mundo, onde acredito que os nossos emigrantes tenham um comportamento bem idêntico ao destes indivíduos e procurem fielmente aquilo que também é nosso.
A cidade de Braga transforma-se a passos largos numa cidade cosmopolita, cada vez mais abrangente, recetiva a milhares de imigrantes provenientes de outras origens que outrora se restringiam apenas a países lusófonos, dada a proximidade cultural e linguística e graças à Universidade do Minho. Assistimos, hoje, à proliferação de novos conhecimentos, hábitos culturais e alimentares, costumes e formas de vestir, de países bem distintos do nosso. Tudo isto vai espoletando a nossa curiosidade e abrindo também novas janelas de oportunidades. Segundo estatísticas de 2017, as dez nacionalidades mais representadas em Portugal são o Brasil (85.426 cidadãos), Cabo Verde (34.986), Ucrânia (32.453), Roménia (30.750), China (23.197), Reino Unido (22.431), Angola (16.854), França (15.319), Guiné Bissau (15.198) e Itália (12.925).
O retalho é um negócio muito complexo, mas que se baseia, acima de tudo, em princípios e processos elementares, sob tendências que nem sempre agem da mesma forma. Por via disso, deverá acompanhar, estrategicamente, as variações dos fluxos migratórios, sendo uma das suas características principais a necessidade e a capacidade intrínseca de transformação e adaptação a esses movimentos. A imigração para o nosso país, e para a nossa cidade em particular, sendo cada vez maior, abre uma janela de oportunidades única para a oferta e procura de novos serviços e produtos e só devemos aproveitá-la da melhor maneira.
Não é, portanto, de estranhar que, por exemplo, em cadeias de supermercados portuguesas e até já em pequenos retalhistas se encontrem corredores com prateleiras repletas de produtos indianos, italianos, mexicanos, brasileiros, ucranianos, e até russos, cujas origens obrigam a processos ágeis de importação e mecanismos eficientes de reabastecimento à escala global.
Um retalhista moderno e atualizado deve preocupar-se em oferecer novas gamas de produtos e serviços potenciadoras de vendas a novos consumidores. Deve tentar colmatar falhas existentes na sua gama com artigos de substituição. Naquele café, naquele dia, o indivíduo inglês não começou a manhã a comer feijões, ovos nem bacon, mas foi-lhe sugerido um produto diferente, uma francesinha à moda da casa com uma cerveja. Começar desta forma uma manhã soalheira não é para todos. O inglês, no entanto, parece ter saído radiante. E digo-o porque, alegremente, repetiu a bebida por mais duas ou três vezes.
*Com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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