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Feitiço da gula

As férias e o seu benefício

Feitiço da gula

Escreve quem sabe

2023-01-06 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

Quis o fado que os dois principais cartazes turísticos do concelho de Montalegre saiam à rua neste primeiro mês do ano. Um casamento perfeito que alia o místico ao tempero do estômago. Uma abertura que promete voltar a colocar a capital do Barroso na linha da atração pública sustentada no que de melhor tem sido feito ao longo das últimas décadas. Um território de excelência que transpira ruralidade e que tem nas pessoas o dístico maior.
A “Sexta 13” tornou-se o mais relevante espetáculo de rua de Portugal. Um selo conquistado em duas décadas de forte investimento promocional e que continua a gravitar em volta da figura excelsa do padre Fontes. Este embaixador do concelho tem sido, desde os anos 80, o motor publicitário quando teve a peregrina ideia de conceber um Congresso de Medicina Popular na remota e até então desconhecida aldeia de Vilar de Perdizes. A rutura que protagonizou com a Igreja foi o rastilho que abalou a inércia que imperava na região. O pároco foi o farol de uma terra virgem, longe dos centros de decisão.
De lá para cá, o nome Montalegre conquistou o seu espaço próprio. Um chão diferenciador capaz de aglutinar milhares de pessoas. Abonada pelas duas épocas do turismo (Inverno e Verão), o concelho oferece vivências ao longo do ano. Para todos os gostos e carteiras.
Quem viveu uma “Noite das Bruxas” concordará comigo se escrever que estamos perante um momento de outra dimensão, em tempos onde o humano procura, cada vez mais, algo que espante a rotina diária. Um cartaz que transformou a vila, obrigando a hotelaria a acelerar na criatividade e na oferta. Não admira que encontrar alojamento seja difícil. As reservas têm meses, em alguns casos anos. Em outubro há nova ocasião para espantar os males. Tome nota.
Quem tem mês de carimbo próprio é a Feira do Fumeiro e Presunto do Barroso. Mostrou-se tímida em 1992. Fazia corar de vergonha quem vendia isto porque estava enraizado o estereótipo que só os “pobres” negociavam os presuntos e as chouriças produzidas em casa, a maior parte das vezes de forma dissimulada. Nesse sentido, quem o fazia sentia-se envergonhado por enfrentar o olhar alheio.
Organizada pela Câmara de Montalegre desde a primeira hora – em 2002 a organização é assumida em conjunto com a Associação dos Produtores de Fumeiro da Terra Fria Barrosã – foi necessário partir pedra para convencer quem produzia que tinha entre mãos uma “galinha dos ovos de ouro”. Para espanto de muitos, a primeira edição mostrou o enorme potencial deste cartaz. Perto de três mil pessoas visitaram Montalegre, um número incomum que obrigou a organização a delinear uma estratégia para dar corpo ao certame. A Comissão Organizadora passou a recolher os produtos nas casas de quem vendia. Ato contínuo, pesava-os e procedia à avaliação. De seguida, vendia-os sem referência ao nome do produtor, apenas com um código que só ela própria conhecia e, mais tarde, entregava ao produtor o dinheiro resultante da venda. Este modelo vingou durante os dois primeiros anos. A partir do ano seguinte, alguns produtores começaram a permitir que o seu nome fosse colocado nos rótulos dos produtos. Só ao quinto ano da “rainha do fumeiro” houve disponibilidade de alguns produtores enfrentarem, sem complexos, os visitantes. Porém, foi preciso chegar a 1999 para todos os expositores marcarem presença no pavilhão e, com isso, um assumir na plenitude das suas funções.
Deixo este curto contexto para lembrar o quão importante é ter memória. A meu ver, um exemplo de boa prática pública que transformou esta vila transmontana. Uma aposta persistente que alavancou a economia local – bem como a municípios vizinhos – e que arrastou outros investimentos sob as mais diversas áreas de negócio.
Passados mais de 30 anos, quem visitar a Feira do Fumeiro de Montalegre vai ao encontro de um imponente Pavilhão Multiusos. Um espaço que conferiu mais modernidade, melhores condições higiénicas sanitárias e oportunidades sem paralelo a quem vende e a quem compra.
Contudo, a garantia maior está na gente e na excelência dos produtos locais. Um cardápio tentador que passa, entre outros, pelo presunto, alheira, chouriça e salpicão. Um nicho de mercado que continua a ter procura permanente à luz de uma cada vez maior responsabilização pedida a quem produz. Esta exigência dá-lhes mais autoconfiança e autoestima. Houve preocupação de acompanhar o tempo. Os produtores mais idosos – detentores do “saber fazer” tradicional – estão a dar lugar, pouco a pouco, a jovens produtores, virados para o desenvolvimento de métodos mais modernos e consentâneos com as premissas do ramo. É neste quadro sumariado que deixo este desafio aos leitores do jornal. Façam as malas e visitem uma terra com charme. Deixem-se enfeitiçar. A gula agradece.

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