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Fechar o ano a falar “financeiro”

Ettore Scola e a ferrovia portuguesa

Fechar o ano a falar “financeiro”

Escreve quem sabe

2022-12-19 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

Aproxima-se o Natal. Na avenida da cidade, agasalham-se com luzes os gélidos postes que por ali se enraizaram em tempos. Esta época simboliza celebração, paz e harmonia, propiciando o reencontro de velhos amigos e familiares. É altura de visitar o “Bananeiro”, no centro da cidade de Braga, provar o delicioso moscatel ou, porque não, dar um belo passeio pelo irrepreensível presépio da freguesia de Priscos. Aproveitamos para comprar os últimos presentes e abastecer a casa com produtos alimentares para as refeições em família, ingredientes essenciais para a ceia e para o almejado dia celebrativo do nascimento de Jesus.
Não obstante ser uma importante época religiosa, também é por esta ocasião que a maioria das organizações analisam o seu ano financeiro. Se umas anseiam um milagre para os seus negócios, contando os tostões que ainda lhes restam, outras procuram projetar os seus conquistados lucros para o ano vindouro. Para as empresas que possuem contabilidade organizada, significa a necessidade de se iniciarem os processos relacionados com as obriga- toriedades fiscais exigidas pelas autoridades competentes, por exemplo, preparar o encerramento anual de contas.

Aqui há tempos conheci um indivíduo sisudo, por terras de Welwyn Garden City. Abordou-me num estreito corredor, anexo à cantina do departamento financeiro. Aparentava ser britânico, bem do centro de Londres, pelo sotaque cerrado e nem sempre percetível. Por vezes, misturava diversos termos técnicos na sua linguagem, algo que me infligia uma valente dor de cabeça. Tive a oportunidade de participar em diversas reuniões com ele e constatei que era um dos responsáveis pela área financeira daquela organização. O seu olhar circunspecto evidenciava preocupação com o encerramento do ano financeiro. Interessantemente, sempre que começava a falar, todos os outros se observavam mutuamente, com olhos vidrados, sem nunca tecer grandes comentários. Abanavam a cabeça, como quem não estivesse a perceber patavina da con- versa ou, porventura, a concordar com tudo o que ali escutavam.
Sempre achei a área financeira fascinante, muito embora a tenha sempre considerado a mais complexa de entender, no âmbito da minha profissão. O encerramento do exercício do ano financeiro, por exemplo, corresponde a um processo de negócio transversal a qualquer organização. Este processo permite obter o balanço da empresa, demonstrando a sua situação económica e financeira até ao findar do ano, detetar eventuais desvios entre o desempenho previsto e o real ou, ainda, servir de base para futuras projeções relacionadas com o seu desempenho futuro. Como é nor- mal no nosso país e organizações, este processo coincide tipicamente com as datas iniciais e finais de um ano gregoriano, ou seja, de janeiro a dezembro. Nas organizações retalhistas, sendo estes meses de extrema afluência às lojas e de alto dinamismo, a azáfama do fecho do ano contrasta com a necessidade de foco dos intervenientes neste processo.

Quando regressei a Portugal, curiosamente numa daquelas ocasiões onde a TAP nos prega uma partida e nos atrasa os planos, aproveitei para comprar o livro ‘How to talk Finance’ de Ted Wainman no aeroporto de Heathrow, em Londres. Recordo-me de ler uma frase muito pertinente: “o tema finanças é muito simples, mas foi feito para parecer complicado, justificando assim os honorários”. Com a leitura, fui tomando conhecimento de alguns jargões técnicos ouvidos no passado, procurando anotar a devida tradução para a nossa língua.
Imagino que a turbulência de cada final do ano se continue a apoderar do sorriso daquele colega, ainda assim, recordá-lo-ei como sendo dotado de uma personalidade incrível, discreta e aparentemente sisuda. Digo-o aparentemente, porque ao longo daquele projeto fui sendo cativado pelos seus ensinamentos, tal como José Moreira da Silva nos explica no texto ‘Cativar’ em ‘Gramática das Coisas’. Aprendi, acima de tudo, que nos devemos respeitar e cativar mutuamente, dando sempre segunda oportunidade às impressões iniciais que temos sobre alguém.

*com JMS

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