A pandemia, a transição digital e a nova gestão pública
Ideias
2018-02-18 às 06h00
Obrigo-me a ultrapassar a relutância. Quero escrever que em solo americano nenhum massacre é notícia, sequer constitui matéria de reflexão. Quero registar, em consequência, que a morte levada a uma escola não me comove, nulo desejo me suscita de arriscar um pensamento a que ainda não houvesse chegado. Poderia dizer que rezo pelas vítimas, pelos familiares trucidados das vítimas, mas eu não rezo. Encontrasse Deus, distraidamente, por acaso, e omitiria esta ocorrência, evitando assombrá-lo. Mentiria, se mo perguntasse, negaria que existisse uma tal localidade à face da Terra.
Dizem, de lá, que a arma não mata, que o aço é neutro e inerme. Do objecto letal se diz que é engenharia e design, um pedaço de arte e civilização ao serviço da defesa do bem, por sinal. Bani as armas, e castigareis um inocente proclama a indústria. E de que serve castigar o assassino? Que equilíbrio se restabelece com a cadeira eléctrica, com uma injecção letal, com vinte penas de prisão perpétua? E essa esdrúxula discussão: sujeito psiquiátrico ou não, inimputável ou quê?
Postulemos que o assassino o seria em qualquer circunstância: de mãos nuas, quantos ex-colegas chacinaria um celerado? Com um punhal que fosse! Quantas vezes precisa a América de repetir-se, de atestar a sua falta de senso? Desabafo estéril: é lá com eles! Não, mentira, é comigo! É consigo! Por que cargas de água é que a mesma indústria, os mesmos homens de estado, que se baldam para o que entre eles se passa, mais consideração haveriam de ter para connosco? Ou a América não controla o mundo?
Quantas décadas levam eles de discussões em torno do facílimo acesso a armas de assalto, a armas automáticas, que bem manobradas, com sangue frio, assassinam às vintenas de cada vez? E nós, a propósito de outros assuntos, nossos: não andamos, também, sempre em torno do mesmo, como traça amblíope? Há quantas décadas repetimos a ladainha do atraso cultural, educacional, português? Há quantas décadas batemos no ceguinho da qualificação? Os problemas só não se resolvem quando deles se encarregam aqueles que não os resolverão. Os que são catapultados para os não resolver, propositadamente.
Retomo a tangente a um crime que varro do espírito. Não há sistema de segurança, torniquete ou detector de metais que obstaculize um vampiro: quem o impediria de manchar o exterior do liceu, de crivar de balas os grupitos de moços e moças que, à saída, parassem para uma despedida, para um recado fortuito, pretexto para uma troca de olhares, para um beijo real ou sugerido? Não! Quem quer matar, fá-lo-á, sempre, e na América, então, é como barrar manteiga de amendoim em fatia fofa de trigo. E, entretanto, eles se afirmam, eles se sentem, o umbigo do mundo.
A América não tem um problema de armas, tem um problema de mundividência, de valores, e à escala do Estado. A América não é exemplo para ninguém, nem para os americanos. Envergonhados de si, pela trumpentronização, desataram a responsabilizar terceiros pelas cruzinhas que um Jonnhie ou uma Mary Lou, em comatosa exaltação patriótica, desenharam num boletim de voto electrónico. O problema nunca está onde se quer fazer crer que esteja, nunca é aquele que se declara que seja.
A vida é um jogo de espelhos, um teatro de sombras, um cortejo de bodes expiatórios. Tal que ela é, a América deveria ser sujeita a embargo, posta de quarentena, até que ganhasse juízo e pudesse sair à rua ou receber visitas. Não sou antiamericano. Custa-me, apenas, magoa-me, que o venerado porta-estandarte da civilização insista em mostrar-se pelo lado pior, assobiando, disfarçando, como se a besta, a única besta, fosse a mão que dispara.
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