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Eu, professor, me confesso...

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Eu, professor, me confesso...

Voz às Escolas

2024-11-06 às 06h00

José Carlos Freitas José Carlos Freitas

Muito antes de ser diretor, assumi, com profunda honra, em pleno raiar do novo século, aquela que todos asseveravam ser das mais nobres missões: formar as gerações de amanhã, garantindo o Portugal do futuro. Mas eu, professor, me confesso que foi também aí, nesse mesmo dia 1, que a realidade teorizada (ou embelezada) durante a minha formação começou a divergir, paulatina e irremediavelmente, daquela percecionada no terreno, anulando, sem mais, parte da visão romântica que até então associava à docência. Um devaneio, portanto. Uma espécie de sonho irreal e, assim, sem corpo. E um sonho sem corpo é como um corpo sem vida: é a ausência, é o vazio, é o nada. É tudo aquilo que a Escola não pode ser, mas tem sido. Uma manta de retalhos legislativos sob permanente crítica e suspeição por tudo, por nada e por todos. Um simples peso para um Estado que não pesa nem considera o seu próprio futuro. No entanto, o amanhã não é agora, certo? Logo, não interessa. Quem vier que feche a porta. Até lá, que seja o que Deus quiser. Ou o que o milagre da multiplicação for permitindo...
“É um novo paradigma, ao qual as escolas e os seus profissionais têm que se adaptar”, atiram os mais ilustres pedagogos cá do burgo que, refugiados nos seus bunkers teóricos, urdem as mais rebuscadas e convenientes teorias do “eduquês”. Bonito, mas diretamente para a banca- da.
Na verdade, o que se constata, in situ, não é apenas uma alteração de paradigma, consequência natural da incessante dinâmica deste admirável mundo novo, antes o forjar de um novo e perverso paradoxo: menos recursos, mas mais e melhores resultados.
Algo numa lógica de produção em série, mecanizada, impessoal e puramente matemática, subordinada a conceitos mais próximos da produtividade industrial do que de princípios pedagógi- cos. Ou seja, tudo aquilo que a Escola não pode ser, mas que tem sido, mais por obra do “ocaso” financeiro das últimas décadas do que por mero acaso.
A Escola Pública passou, assim, de prioridade a defender, a lastro a combater, emagrecen- do-a até a tornar funcionalmente anorética. E como é que se emagrece um sistema de ensino? Corta-se arbitrariamente no seu principal gasto. Professores, leia-se. Apesar disto, hoje abre-se a boca de espanto perante a ausência de candidatos à docência que garantam a renovação geracional necessária, ou, como mínimo, o suprimento das necessidades decorrentes das mais do que esperadas aposentações.
Durante (demasiados) anos, Portugal assistiu, cúmplice, conivente e em silêncio, a uma espécie de histérica catarse colectiva de quem vê nos professores a raiz de todo o mal e que urge extirpar. Isso eu rejeito. Percebe-se, para os lados de S. Bento, um esforço de inflexão desse caminho, já iniciado no governo anterior. Não obstante, persiste, sem qualquer contraditório visível, a campanha de achincalhamento público, de ridicularização e de desvalorização da função docente, urdidos ainda no tempo do negro consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, com o único fito de desvalorizar para vender a preço de saldo, como ora se constata. Nem os excelentes resultados obtidos nos testes internacionais do PISA – muito acima da média da OCDE - demovem os detratores (se é bom, é falso!). Continuamos a ser os "miseráveis, incompetentes, inúteis e parasitas bem pagos que exploram o sector privado e que não produzem coisa alguma”, e que “urge pôr na ordem”, pelo que não se percebe a enxurrada de deserções que hoje esvaziam o território educativo, fugindo dele e da sua dura realidade como o Diabo da cruz. Somos mercenários somente porque não somos abnegados missionários, nem trabalhamos apenas por vocação, mas pelo pão que temos que colocar na mesa. Que dislate o nosso!
Mas é literalmente isto que se volta a ler e a ouvir. E é assim que muitos alunos nos vêem, rejeitando (pudera!) qualquer miligrama de autoridade que arrisquemos impor. “Se ela (professora) te mandar fazer, manda-a f..., que eu depois resolvo”. E mandam, sem pestanejar. É o piso -1 da escala de dignidade profissional, mas a campanha continua. Ainda há muito para escavar...
Até quando? A que custo? Não basta, já?

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