Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2021-01-18 às 06h00
Recentemente, reencontrei-me com Damásio. Em tempos, conheci-o através do “Erro de Descartes”. Desse encontro, recordo o relato do acidente de Phineas Gage, um capataz da construção civil. Conta a narrativa que este indivíduo sofreu uma grave lesão na região frontal do cérebro, mas sobreviveu com sequelas diversas, nomeadamente comportamentais, que se vislumbram à medida que o tempo passa e que são cientificamente exploradas pelo autor. Quis o destino que visitasse Damásio novamente, desta vez no conforto de minha casa, em Braga, num breve passeio imaginário por terras holandesas, em “Ao encontro de Espinosa”.
O dia corria gélido, mas de feição. As ruas estavam praticamente desertas. Rasgos de luz serpenteavam quentes por entre apressadas nuvens, evaporando paulatinamente o gelo do jardim. Encontrei Damásio à saída do “Hotel des Indes” em Haia. Daí, iniciámos uma breve caminhada pelas ruelas da cidade até “Het Spinozahuis”. Pelo caminho, o autor vai enfatizando a importância que alguns filósofos têm na sustentação do seu trabalho como cientista. Diz-me, por exemplo, ter-se encontrado com Espinosa na sua adolescência, mas somente na idade adulta o conseguiu compreender melhor. Até lá, tudo “não passava de um conjunto de conceitos filosóficos tão fascinantes como até inabordáveis”. Fala-me do significado das emoções e dos sentimentos, do corpo e da mente, destacando a indissociável ligação entre eles.
Peço gentilmente a Damásio para aguardar. A obrigação paternal alerta-me de que é chegada a hora de vestir e levar a minha filha ao colégio. Apresso-me, esforço-me por acertar na combinação de cores e saio de casa. A hora de entrada começa a tardar. É dia de educação física e não queremos chegar atrasados. No corredor da entrada principal, despedi-me com um forte abraço. Já ao longe, ergui-lhe a mão, dando-lhe indicação de que a iria buscar às cinco horas em ponto. Respondeu-me em tom de alerta “Pai, tu já sabes! Não quero as cinco horas do tamanho da tua mão. Quero que venhas muito mais rápido, do tamanho da minha mão”. Sorri-lhe. Curiosamente, remeti aquela situação e resposta da minha filha de quatro anos para a dicotomia entre os tempos cronológico e psicológico, eventualmente aplicável a uma criança, figurando também na minha mente os deuses Chronos e Kairós.
Aquele momento, não o esquecerei. Acredito que seja explicável por estes dois personagens distintos da mitologia grega ou, muito provavelmente, pelo psicólogo Jean Piaget. Gerou em mim uma forte emoção, seguida de um sentimento muito positivo. Regressei então a casa num ápice. Cada músculo, articulação e órgão interno parece que ganharam asas, rejuvenescendo-me para um novo dia de trabalho. Chegado a casa, Damásio pergunta-me se podemos continuar a jornada. Digo-lhe que o trabalho aguarda, o computador já dá sinal de uma reunião iniciada. Acena-me e despede-se com um até logo, relembrando que “os sentimentos são a expressão do florescimento ou do sofrimento humano, na mente e no corpo”.
Em tempos de confinamento, nem tudo é mau quando ficamos por casa e projetamos a nossa imaginação. Hoje, amparado pelas inigualáveis lições de Damásio, iniciámos curiosamente a reunião a debater como reorganizar os estímulos de forma a gerar determinadas emoções. Não me restam quaisquer dúvidas de que o cérebro e o corpo se influenciam mutuamente, como “circuitos bioquímicos e neurais reciprocamente dirigidos um para o outro” e que boas emoções nos trazem sentimentos inesquecíveis. O retalho, físico e em linha, também tenta aplicar estímulos diversos na tentativa de criar boas emoções e até sentimentos positivos nos seus consumidores. Não obstante, a maioria das vezes nem nos apercebemos dessas táticas meticulosamente estudadas e analisadas por equipas multidisciplinares.
*com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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