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Entre ir à fava e favas contadas, quem é que paga as favas?

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Entre ir à fava e favas contadas, quem é que paga as favas?

Ensino

2024-05-09 às 06h00

Alexandra Nobre Alexandra Nobre

Quem nunca usou expressões idiomáticas ou ditados populares, às vezes “por dá cá aquela palha” sem reflectir sobre o seu significado e origem, “que atire a primeira pedra”. Eu uso e sempre que oiço uma nova procuro saber de onde veio, embora às vezes seja “um bico de obra” e acabe por ficar “a ver navios”. Sabem que mais? Frequentemente a sua origem é simples, muito pontual e quase aleatória, o que me faz aumentar o fascínio por as entremear no discurso. Como é possível que saídas de uma boca na “hora H”, estas expressões tenham ganhado mundo, passando invioláveis de geração em geração? À boleia destas congeminações vamos falar de favas? Vá lá, não me mandem a ela (à fava, claro!).
As favas são as sementes da faveira, Vicia faba, uma leguminosa da família Fabaceae, uma “mesa grande” à volta da qual se reunem as plantas que nos dão o grão-de-bico, o feijão, a lentilha, o tremoço, a feijoca, o chícharo, a ervilha, a soja e ainda outras plantas como a alfarrobeira, o amendoinzeiro, a acácia, a mimosa, a glicínia, os diversos trevos e… a lista não pára (são mais de 19000 espécies descritas). O que é que todas estas plantas têm em comum? Entre outras coisas, o facto do fruto ser uma vagem. Mas na verdade, trivialmente, com o termo leguminosas, na lista acima vamos apenas até à soja (as chamadas leguminosas secas de grão). Foram estas que a Assembleia Geral das Nações Unidas celebrou em 2016 - Ano Internacional das Leguminosas com um propósito muito claro, o de sensibilizar a população mundial para os benefícios tanto nutricionais, como económicos e ambientais, das leguminosas. Nutricionais porque são ricas em proteína, hidratos de carbono (principalmente amido) e teor em fibra e ainda, fornecem muitas vitaminas (essencialmente do complexo B), sais minerais (ferro, zinco, magnésio, fósforo e potássio) e agentes anti-oxidantes. Não é à toa que regimes alimentares excluintes de produtos de origem animal, dependem fortemente destas sementes para o aporte proteico recomendado. Benefícios económicos já que, quando comparadas com outras fontes proteicas são muito mais acessiveis em termos de preço. E benefícios ambientais porque o seu cultivo ajuda a enriquecer o solo em azoto (fruto de uma relação vantajosa que as raízes estabelecem com bactérias do solo), um elemento químico essencial à construção de moléculas biológicas muito importantes: as proteínas e os ácidos nucleicos. Adicionalmente, o cultivo de leguminosas, em concreto das faveiras dada a sua rusticidade, não é muito exigente em termos de trabalho, fertilidade do solo e necessidade em água. Lamentavelmente, dizem as estatísticas que o seu consumo per capita está aquém do recomendado pela Pirâmide da Dieta Mediterrânica (padrão de ingestão alimentar baseado nos produtos locais e da época, com predominância de produtos vegetais frescos e azeite). Tanta feijoada, tanto rancho de grão, tantas favas e ervilhas guisadas que se comem de norte a sul deste país sem esquecer as ilhas (estou a lembrar-me do feijão assado failense, das favas à moda dos Açores e da dobrada na Madeira) que isto não se admite! Quem é que não anda a comer leguminosas como devia e uns “pagam as favas pelos outros”? Não somos portugueses, nem somos nada se não corrigirmos já aqui esta afronta! Ora vamos lá, repitam comigo…“Pelo São Martinho semeia favas e vinho”e “Pelo S. Simão, favas na mão” que é como quem diz, lança as sementes à terra no fim do Outono porque elas gostam de frio e terás a colheita feita antes de Verão chegar. Já as ervilhas… Ai a ervilhas… Vão para a terra ao mesmo tempo, mas armam-se em senhoras finas (ou melhor, em donas rechonchudinhas) que gostam de se fazer esperar e até de nos “mandar à fava” (já lá diz o ditado “Vai à fava enquanto a ervilha enche”). Mas mais tarde ou mais cedo, acabam por chegar. Isso são “favas contadas”! Já agora, querem saber de onde vem esta expressão? Então parece que é muito antiga e remonta ao modo como era feita a eleição do abade nos mosteiros medieveis. Distribuiam-se as favas pelos votantes (favas brancas a favor, favas negras contra) que as depositavam anonimamente em sacos . Contadas as favas, não havia dúvida do eleito.
Recapitulando, a faveira é uma planta cultivada há muitos milhares de anos (datação com carbono radioactivo, de restos de favas carbonizados e encontrados na zona de Israel, remetem a domesticação da planta para o século XI a.C.), consumida em todo o mundo com algum enfoque na zona do Mediterrâneo onde, na antiguidade clássica, gregos e egípcios a consideravam uma planta sagrada. Devido às características do grão e ao seu sabor e textura singulares, a fava é frequentemente utilizada em sopas, molhos, cozidos, cremes, guisados, purés e até saladas frias.
Depois de secas também podem moídas em farinha que é usada na preparação de massas, pães e biscoitos. As favas apresentam a maior relação proteína-hidrato de carbono entre outras leguminosas populares como grão-de-bico, ervilha e lentilha. Convencidos ou é preciso mandar vir “a mulher da fava rica”? Esta não explico. Vão ao Google, esqueçam o ChatGPT que ele também não sabe e até me pediu ajuda "Mulher da fava rica parece ser uma expressão idiomática em português, mas não estou familiarizado com ela. Pode explicar-me o que significa ou em que contexto é usada?” Se já tinha as minhas dúvidas em relação a esta inteligência, para primeira experiência (sim, registei-me agora mesmo) não posso dizer que tenha corrido bem...

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