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Entre a vergonha e o medo

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Entre a vergonha e o medo

Voz aos Escritores

2025-06-13 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Este país à beira-mar acrescentado, definido desde 1143, com 882 anos de experiência acumulada, vidas aumentadas e outras diminuídas pelos mundos que trouxe para dentro de cada um, ainda vive entre a vergonha e o medo.
Este ano Portugal foi celebrado com um discurso maior, que entendo iluminador e agregador, de Lídia Jorge. Mas aquilo que me é claro e evidente, não o foi assim para muitos, o que me leva a duas expressões que latejam nos tempos que nos definem. A beleza, tal como a maldade, está nos olhos de quem vê e cada um vê aquilo que quer ver. Como é possível um enviesamento tanto de algo que me é tão claro? Por isso Santo António desistiu e foi pregar antes para os peixes. É o sal que é de má qualidade ou a terra que não se deixa salgar?
Temo que as duas coisas. Os políticos na governação deixaram de ouvir e de entender os problemas reais das pessoas e, com isso, abriram espaço para certas narrativas que se apresentam como tábuas de salvação. A integração é uma miragem, pelo menos da forma como a idealizamos. Basta pensar que um português, em qualquer geografia do mundo, não deixa de ser português, não deixa de ser católico, se o for, não deixa de comer bacalhau ou presunto. Esteja onde estiver. Da mesma forma quem nos escolhe como destino de vida, não deixará as suas crenças, língua e hábitos culturais. Não viu a luz, só porque pisou a terra de Camões. E quando a cultura é muito diferente e o número de indivíduos muito grande, as clivagens não se fazem esperar. E quando não respeitam a mulher, não lhes reconhecem direito a independência, a voz e vontade própria, e a autoridade profissional? Mais ainda. E quando não há controlo do registo criminal para a sua entrada há o perigo real de dar acessibilidades a criminosos organizados disfarçados de migrantes trabalhadores à procura de uma oportunidade para melhorar a sua vida e das suas famílias. E, de repente, está tudo metido no mesmo saco, com o mesmo rótulo.
De repente, todos os discursos e gestos são passiveis de ser rotulados de esquerda ou de direita, ao ínfimo pormenor, mesmo as manifestações de puro bom senso. A história, recolha de factos, acha-se refém de interpretações várias. Se por um lado em todos os livros escolares temos o lado A, como num disco de vinil, onde a epopeia dos descobrimentos é contada como uma aventura e glória, temos o lado B do rapto e da escravatura, dos povos explorados e colonizados. Por que razão temos medo deste lado? Vergonha?
Em Berlim pisamos história a cada passo, uma cidade que é um museu a céu aberto. O Museu Judaico, o Museu do Muro, as rodelas de bronze cravadas em cada rua com os nomes e as datas de nascimento e morte ou desaparecimento das pessoas que foram levadas das suas casas. Flores aqui e ali deixadas num passeio que lateja a cada passo a memória feita ferida. Terão vergonha? Não sei. Mas maior do que a vergonha sei que é o medo de que volte a acontecer e por isso lá está Berlim, cidade museu vivo.
E nós? Onde está o nosso museu de Salazar? Dos Descobrimentos? Da Escravatura? Da PIDE? Da Guerra Colonial? Temos mais vergonha do que medo e por isso argumentamos que isso é passado, o que importa é o presente e o futuro. Não vamos abrir feridas. Não, na realidade não as curamos, estão bem abertas. Tapamos com gaze para as não vermos, fazemos de conta que não existem. Enfiamos a cabeça na areia e até achamos que a história só tem o lado A.
E depois vem a manipulação política de tudo e qualquer coisa, que é de esquerda e é de direita, e a polarização cresce diariamente, como um vírus pouco silencioso. Como a ideia de compensações. Compensações?! Alguém falou em compensações no 10 de junho? Quem trouxe esse assunto para a comunicação social? Não há compensações. As casas, quintas, estradas, caminho de ferro e tudo o mais que foi criado e deixado nas ex-colónias não serão compensações suficientes? As ajudas e apoios e esquecimento de dívidas ao longo das últimas décadas?
Há história, há factos. 10 de junho é o dia de Portugal, Camões e das comunidades portuguesas. No discurso de Lídia Jorge vi isso tudo referido e refletido de forma clara. Ser português é ser de todas as cores humanas que nos revestem e que trouxemos para o nosso país e é também ser um pouco dos lugares onde estivemos e chegamos. Afinal, os descobrimentos foram o início das comunidades portuguesas por esse mundo fora e é essa vida de prosperidade e integração que também se celebra e deseja, cá e lá, seja lá onde for esse lá.
Mas ainda há quem não tenha visto e ouvido o que eu vi e ouvi.

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