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Embalos em balanços

Voz aos Escritores

2018-12-07 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Podia, sim senhor, podia. Podia falar da fome e da guerra no mundo, esse mundo que não muda de código postal sempre a insistir na mesma paisagem, sem aprendizagens em alturas, nem com o chamamento do céu azul, nem aumentos em larguras com horizontes pincelados de sol.
Podia falar dos coletes amarelos em França, de como, apesar do nojo da violência e do aproveitamento de certos extremos políticos, há um ar de conquista. Podia falar dos 12 deputados da extrema-direita eleitos na Andaluzia e de como a memória coletiva falha e não se pode esquecer a história, direita e esquerda como faces gémeas da mesma moeda que nos compra esmifrados pelos entretenimentos carregados com ilusões e nos vende a quem pagar mais num qualquer mercado de rua, a céu aberto.
Podia falar da forma como as pessoas se transformam atrás de um volante, de como em Braga uma certa forma de distopia automóvel floresce e nem com pilaretes se educa. Um orgulho, uma afirmação sem qualquer mais-valia na transação.

Podia isso tudo e se calhar mais umas quantas barbaridades à mão de colher, ainda que nesta página não coubesse a expiação de culpas e pecados acumulados nestas existências sem lei, norte ou sorte.
Mas basta parar um pouco o corpo, aqui e acolá, pelo centro da cidade quando a chuva permite a audácia. A música, toada encantada de regressos rasgados a um tempo mágico, de idílicos sem agravos, de encantamentos e ingenuidades que por si descrevem duas palavras que só nesta altura matrimoniam com calda e canela: natal e infância.
E a boca a humedecer palatos, o corpo a reconhecer gestos, hábitos que nos fazem, mesmo sem nos vestirem. E lembro-me. Não me lembro quando tomei contacto com esta definição pela primeira vez, mas lembro-me da pessoa que ma passou. E digo passou porque não me explicou, não definiu. Antes mostrou, fez. Uma e outra vez. Singularmente. E quando lhe perguntei porque não fazia como as outras pessoas, apenas me atirou estas farpas:
- Dar o que se tem e já não se quer, ou o que já não serve, não é dar. É livrar-se de lixo.

No tempo da formação da personalidade o processo é bastante simples. É uma questão de selecção: seleccionamos o que queremos para nós e deitamos fora (ou pomos de lado) o que não queremos. É lixo, portanto. E assim colhemos os conceitos e as definições que queremos assimilar. Não podia ser mais semelhante no que diz respeito aos exemplos.

Após vê-la uma e outra vez comprar roupa e sapatos nas lojas e pedir para embrulhar para dar a quem sabia passar necessidade, foi-me inevitável escolher o significado intrínseco deste gesto. Hoje em dia é cada vez mais extravagante dar, não é madrinha?

E entretanto os dias a apequenarem-se para terminar mais um ano. Um ciclo que se fecha, balanços que se fazem, projectos e decisões que se procuram para o novo ano prestes a ser parido. Com ou sem ais.
Os dias a murcharem como uma flor que se despede, a perderem força como um carro em fim de vida. Um último suspiro, umas horas amontoadas em dias que se querem sopranas e soberanas, para que cada ano seja melhor do que o anterior, como mandam os desejos. E as sultanas.
Mas como tudo, algo de bom nasce em qualquer lado que quisermos ver. Em jeito de prendinha no sapatinho, fica a deixa: o próximo ano vai estar cheio de comemorações sobre o António Variações.

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