Segurança na União Europeia: desafio e prioridades
Voz aos Escritores
2025-01-10 às 06h00
Duas manequins carecas, uma de óculos escuros, parecem muito interessadas em mim. Estou sentado mesmo em frente, esperando como é da praxe, que nisso as mulheres nunca falham. Há uma zoeira perturbadora no ar, chiadeira de rodas de um comboio infantil. Em cima de um urso de peluche, transformado em triciclo, um pai faz sorrir a pequenita, toda contente no seu colo. Ao lado, a mãe sorri e manda-lhe beijinhos. Não sei se a felicidade é isto, mas não deve andar muito longe. Atrás de mim, um pai indiano tagarela com a sua filha. Não compreendo nada, como é natural. A conversa, no entanto, deve ser muito interessante, pois a miúda interage com muito à-vontade. Aí vai novamente o urso de peluche, agora só com a pequena.
Leio no Google notícias sobre a guerra na Ucrânia, sobre destruição e morte, e pergunto-me se aquela gente ama e se consegue ser feliz. Olho evasivamente as montras, perco lá o meu olhar. Vem-me ao pensamento, não sei a que propósito, o jardim espanhol do meu "Sete traços na parede nua". Ando, há muito tempo, em busca do sétimo traço, que presumi ter visto lá na sala, mas que continua volátil, grão de poeira que teima em não pousar.
A verdade é que estou escrevendo por uma simples razão: enquanto espero e escrevo, o tempo passa. Pelo menos reduzi o tédio, esse sentimento chato que também aborrecia o Baudelaire. Bom poeta, o Baudelaire. E o Rimbaud. Velhos tempos, em que me atraía tudo o que fosse francês. O Brel, o Brassens, a Piaf, a rive gauche... E o Sartre. Percorrer os esconsos caminhos do ser e do nada foi cá uma dose. Ai, ai, já são quase vinte e uma e eu aqui sentado, esperar cansa e faz doer o espírito.
Olha, aquela vai toda trinques, de saia curta e rabo a abanar... Não é que eu costume olhar, mas que mais hei de fazer? Caramba, o Botafogo marcou mesmo a jogar com dez. O Artur Jorge é bom rapaz, conheço-o bem, e merece ter sorte. Aquela moça está a olhar para mim, acho que a conheço. Cumprimenta-me. Digo-lhe olá. É a Quina cabeleireira, mora perto de mim. Se estivesse em dia sim, aproveitava e escrevia um poema, daqueles inexplicáveis. Quer dizer, se a Hilda tem razão, o poema nem se explica.
Ui, passou agora uma senhora altíssima, toda cores e contracores. Olhando melhor, desconfio que não é senhora, mas também não vou atrás dela confirmar. Que feira de enganos, resmungo eu entre dentes. Que sorte a minha ter encontrado este cadeirão junto à Zara... Ali à direita leio "lingerie", mas é da H&M. Hoje li qualquer coisa do meu amigo João Nuno Azambuja sobre o mito do eterno retorno. Já tinha lido do Mircea que a perfeição está sempre no passado e acho que o João tem razão. Eu gostava que também estivesse no futuro, a ver se me apetecia continuar aqui sentado por mais uns bons minutos. Mas qual quê.
Vou levantar-me um pouco que já me doem as costas. Olha, olha, acho que a perfeição está ali, nos escorregas e nas crianças. Porque será que as crianças são mais perfeitas do que os adultos? O Rousseau talvez tenha falado disto, mas nem me lembro bem. E o Fibonacci? A que propósito penso nele e no seu algoritmo que provoca a beleza? Ah, a escada em caracol... E o Kant, o sublime e a beleza. Aquelas estrelinhas piscam, é quase Natal. Tanta gente por aqui... E dizem que não há dinheiro...
Raios, são quase 22 horas, nunca mais digo "Eis-li-a!". Eu sei que não se escreve assim, mas gosto da expressão. Prometi que a diria à sua simples visão e o prometido não é de vidro, como diria o Veloso. Olha que nem de propósito, "Eis-li-a" que vem lá ao fundo carregando sacos de batatas. Se não são batatas, parece. Demoraste tanto, caramba, já nem me apetece dizer a fulminante expressão.
E ela ri-se...
07 Fevereiro 2025
31 Janeiro 2025
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