Fala-me de Amor
Ideias
2024-05-07 às 06h00
Por muito que nos custe admitir, a verdade é que a qualidade da nossa democracia tem vindo a diminuir assustadoramente, não de modo a fazer perigar o regime, longe disso, mas a necessitar de sérios cuidados.
São várias, diria demasiadas, as áreas em que os portugueses sentem, no seu normal quotidiano, que o funcionamento das instituições não está a correr da melhor forma. E esta, se quisermos ser inteiramente justos, será até uma avaliação bastante benevolente.
A nível da Justiça, por exemplo, área que constitui um dos pilares fundamentais de qualquer sociedade democrática, os queixumes abundam, ultrapassando o que seria compreensível e, seguramente, desejável. Ou seja, sobram queixas dos cidadãos e escasseiam decisões judiciárias, em tempo oportuno, que assegurem a administração da justiça e a protecção dos direitos individuais.
Ainda há dias foi divulgado um manifesto, com meia centena de subscritores de diferentes áreas políticas, a exigir uma reforma da justiça em Portugal. Essas personalidades, em que se incluem os antigos presidentes da Assembleia da República Augusto Santos Silva e Eduardo Ferro Rodrigues, os antigos ministros Daniel Proença de Carvalho e Maria de Lurdes Rodrigues e o antigo presidente do PSD, Rui Rio, contestam também “as montagens do já habitual espectáculo mediático, nas intervenções do Ministério Público contra agentes políticos, a par da colocação cirúrgica de notícias sobre investigações em curso”.
Rui Rio, que criticou duramente, e com inteira razão, a lentidão do Ministério Público na investigação do caso Influencer, em particular no alegado envolvimento do ex-primeiro-ministro António Costa, concluiu afirmando que “não é por falta de magistrados judiciais e do Ministério Público, (…) que podemos dizer que acontece toda esta morosidade”.
O facto de Rui Rio se destacar na luta pela reforma da justiça não constitui novidade, mas agora, em entrevista à CNN Portugal, subiu de tom, apelando à convocação do Conselho de Estado para analisar a demissão da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago. Tal apelo ao Presidente da República tem plena justificação, do ponto de vista de Rio, pelo facto de a situação da justiça ser demasiado grave, portanto merecedora de uma atenção especial de Marcelo Rebelo de Sousa.
A Procuradora Geral da República é, na verdade, a responsável pela direcção do Ministério Público, cabendo-lhe, natural e primordialmente, assegurar a promoção da justiça e a defesa dos interesses do Estado. A sua exoneração constitui, de facto, uma competência do Presidente da República, embora o seu exercício dependa de proposta do Governo.
E é aqui que nos defrontamos com mais uma catadupa de problemas, alguns dos quais estão a minar a credibilidade da chefia do Estado, mas de igual modo alguns protagonistas do poder executivo.
Nota-se que o sobressalto cívico, de que o manifesto dos 50 é um excelente paradigma, tem vindo a medrar, mesmo em segmentos da população habitualmente mais reservados do ponto de vista da intervenção política.
Claro que na base desta agitação está o crescente e perigoso processo de descredibilização das instituições, em geral, e da justiça, em particular, com a agravante de Marcelo Rebelo de Sousa ter vindo a hipotecar, de há uns tempos para cá, o seu verdadeiro papel, tornando-se, assim, parte do problema.
Constitucionalmente, ao Presidente da República está cometido o papel fundamental de garantir o bom funcionamento das instituições democráticas, protegendo os valores basilares da democracia. Contudo, os diversos casos em que o nome de Marcelo tem estado envolvido são pouco abonatórios para a credibilidade e postura do mais alto magistrado da nação.
Este segundo mandato presidencial acabou por revelar um “novo” Marcelo, mais interventivo e mais polémico nas suas intervenções, circunstância que naturalmente contribuiu para uma quebra nos seus índices de popularidade.
E desiludam-se aqueles que pensam atribuir tal quebra a uma qualquer manobra de criação de circunstâncias ou, por outras palavras, a uma campanha manipuladora da opinião pública. Não, o que está em causa são factos concretos, reais, que abalaram a confiança dos portugueses.
Assim, não estão em causa apenas as dissoluções da Assembleia da República, sendo certo que a última provocou enorme instabilidade política, facto que contribuiu para aumentar nos portugueses um sentimento de descrença e que acabou por ter a sua máxima expressão no voto de protesto que escancarou as portas do Parlamento à extrema-direita.
Por outro lado, e mesmo sem pretender ser exaustivo, não posso deixar de recordar, entre outras, as declarações de Marcelo a desvalorizar os abusos sexuais na Igreja, bem assim como a violação dos direitos humanos no Qatar. Acrescem as mal explicadas diatribes do seu filho, “Dr. Nuno”, quer no caso das gémeas, quer na questão da Santa Casa, que também agravaram o prestígio de Marcelo. Finalmente, o próprio presidente encarregou-se, ele próprio, de elevar a fasquia da condenação pública quando prestou as incríveis declarações à imprensa estrangeira.
Da parte do governo, o panorama não é melhor: ministros impreparados, dando mostras de tão impensável quanto inadmissível ignorância, situação de que resultará uma forte aceleração do desgaste do executivo. Desse ponto de vista, Nuno Melo e Ana Paula Martins estarão na linha da frente.
Sobressai, por outro lado, um enorme défice de comunicação, como muito bem sublinhou no domingo o insuspeito Marques Mendes. A título de exemplo, referiu a saída de Fernando Araújo de CEO do SNS e a saída de Ana Jorge da Santa Casa, ambas sem a necessária explicação pública; a confusão de Miranda Sarmento sobre o défice; e as asserções de Nuno Melo sobre o serviço militar obrigatório.
Em síntese, creio poder concluir com o preocupante diagnóstico com que iniciei este texto. A Democracia portuguesa está doente e a carecer de cuidados urgentes. E repare-se que nem abordei a forma como os diversos partidos se preparam para enfrentar as próximas eleições europeias. Como se trata de matéria que não perde oportunidade, ficará para a próxima.
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