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Discurso do Estado da União Europeia: entre as luzes e as sombras

António Braga: uma escolha amarrada ao passado

Discurso do Estado da União Europeia: entre as luzes e as sombras

Ideias

2023-09-21 às 06h00

Isabel Estrada Carvalhais Isabel Estrada Carvalhais

Assistimos, na passada semana, àquele que foi o último discurso do Estado da União proferido pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, antes das eleições europeias de 2024. Uma semana volvida, importa revisitá-lo sem a emoção das primeiras horas, para analisar o que nele foi dito e o que nele ficou por dizer. E como em política nada é desprovido de significado, tanto o que fica dito como o que fica por dizer têm igualmente relevância.
O discurso do dia 13 de outubro já não foi apenas o discurso da presidente da Comissão Europeia, mas o discurso de Ursula von der Leyen, mulher que muito provavelmente terá o desejo de continuar à frente da Comissão para um segundo mandato. Mesmo com esta (compreensível, diria eu) dimensão pré-eleitoral, o discurso manteve o sentido institucional devido.
Olhemos então para o conteúdo. Do ponto de vista daquilo que têm sido as prioridades e o trabalho realizado pelo Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) no Parlamento Europeu, há naturalmente aspetos no discurso que registamos com agrado. Falo desde logo no compromisso que von der Leyen renovou com questões centrais do nosso futuro coletivo e que foram aliás há 4 anos condição clara para o nosso apoio à sua atual posição. O Pacto Ecológico Europeu, a aposta na transição energética rumo à neutralidade carbónica até 2050, a importância da redução das emissões de carbono, da recuperação da biodiversidade, e o impulso necessário à inovação verde, foram sublinhados e apresentados como passos significativos para a competitividade futura da Europa com os quais a Presidente mantém o seu forte compromisso.
Também muito positivo foi o reconhecimento público do papel central dos agricultores europeus. Em contraste com os anteriores discursos do estado da União de 2020, 2021 e 2022, em que não houve uma referência que fosse aos agricultores, a Presidente faz-lhes agora um rasgado elogio. Elogio devido há muito tempo, acrescento, e pena é que apareça apenas agora, já em claro ambiente pré-eleitoral, num óbvio apoio à estratégia populista do seu partido, o Partido Popular Europeu, que vem reclamar para si o papel de paladino da defesa da agricultura.
É importante sim que a Comissão Europeia esteja solidária com o momento difícil que os nossos agricultores atravessam e com a necessidade de os valorizar e de dignificar a sua atividade. Mas a importância vital dos agricultores na promoção da segurança alimentar e da sustentabilidade ambiental não podem ser proclamadas apenas a escassos meses de eleições para servir as agendas políticas da Direita Europeia como tantas vezes tenho afirmado.
Importa já agora saber quais os passos concretos que a Presidente pretende dar para promover o que apresentou como uma grande novidade: o lançamento de um diálogo estratégico com os agricultores. Tal como o apresentou, até parece que a Comissão não tem em permanência grupos de trabalho alargados, onde supostamente o objetivo é facilitar o diálogo entre o desenho das políticas publicas europeias, e os diversos setores envolvidos, tanto ambientais como agrícolas. Talvez então mais do que novas estruturas de diálogo, estejam antes a faltar novos métodos e novas formas de fazer política: menos conflituosa, mais construtiva (por exemplo, dando mais voz aos pequenos agricultores e aos jovens agricultores).

Houve outros pontos que destaco como bons e que a Presidente da Comissão soube apresentar em jeito de resumo daquilo que foram respostas indiscutivelmente relevantes, fortes e positivas do seu mandato. Pensemos na resposta da União à Pandemia do Covid-19; ou no modo como rapidamente respondeu à guerra abjeta da Rússia contra a Ucrânia, acolhendo milhões de refugiados através da ativação da Diretiva de Proteção Temporária, e aplicando sucessivos pacotes de sanções ao regime russo. Pensemos também no forte impulso à agenda da igualdade de género, parte aliás das mais bem conseguidas de toda a sua intervenção no plenário da semana passada.
Mas, não podemos ignorar as sombras que também acompanharam o seu discurso. Por exemplo, no meio de tantas palavras proferidas ao longo de mais de uma hora, a ausência gritante de uma única palavra de solidariedade para com os milhões de pessoas e de famílias que no concreto micro das suas vidas sofrem hoje as decisões macro que levam ao aumento da inflação e das taxas de juro. A habitação, por exemplo, que até chega a ser mencionada nas palavras iniciais da presidente, acaba por não ser retomada em parte nenhuma do discurso. Toda a dimensão social está na verdade praticamente ausente do seu discurso.
Outra ausência: os jovens. Num momento em que tantos jovens vivem em angústia constante sobre o seu futuro (sobre a sua qualidade de vida, a sua saúde mental, o seu emprego, o acesso ao crédito, o acesso à habitação e à terra agrícola, a erosão do meio ambiente, a incerteza do tempo e do mundo), eu esperaria que a Presidente da Comissão Europeia lhes dirigisse pelo menos algumas palavras firmes de alento e de atenção. Nada.
Outra grande ausência: os pescadores e os oceanos. Nem uma palavra. Num momento em que a proteção e a restauração dos ecossistemas marinhos é tão debatida por ser em última instância o caminho para uma pesca sustentável, mas que tem de assegurar também a sustentabilidade social e económica dos pescadores, a ausência de qualquer menção é para mim incompreensível.
Em conclusão, a Presidente da Comissão fez um bom resumo daquilo que foram respostas indiscutivelmente relevantes, da mesma forma que não deixou de apontar grandes temas que vão marcar cada vez mais a agenda europeia, tais como as questões do alargamento, da revisão dos tratados, da implementação do pacto europeu das migrações, até às relações políticas e comerciais com outros blocos económicos. Mas, tal como escrevi no início desta já longa crónica, importante é também o que fica por dizer. Ora, o que ficou por dizer no discurso da Presidente da Comissão Europeia, não pode ficar por fazer. E por isso mesmo é tão importante que continuemos no Parlamento Europeu a luta, a vigilância e o trabalho que temos feito, em defesa seja dos jovens, das pessoas com deficiências, das mulheres, das identidades de género, dos migrantes e dos refugiados, do meio ambiente, das comunidades rurais e dos agricultores, seja dos pescadores, dos pastores, ou dos trabalhadores das plataformas digitais ... porque todos, mas mesmo todos, sem exceção, são importantes e merecem o melhor da política e do projeto europeu.

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