As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2022-04-17 às 06h00
Não me levem a mal por começar a escrever com o coração em Paris. Por estes dias, revisitei o chão que me viu nascer. É lá que reinvento a saudade. Um modo de estar apenas compreendido por quem foi ou é emigrante. Somos o que queremos e o que não queremos ser. Uma roleta de abraços e desgostos que não trava o pulsar de um povo que agradece a quem o acolheu e no qual deposita crédito renovado para gerações.
Sou filho de emigrantes. Faço parte das primeiras franjas da segunda metade do século XX que nasceu além-fronteiras. Tenho o retrato pincelado com as dores do nada. Palavras que lembram o galgar do muro da aldeia, o adeus a pais, irmãos, amigos e vizinhos e a ténue esperança do Sol poder raiar no agosto seguinte.
O primeiro passo era tentar que as noites não fossem assombro. Esquecer a viagem «a salto», pagar a quem se deve e amealhar para o sonho de ter uma casa em Portugal. Quatro paredes para estender os ossos onde coubesse a família, uma junta de vacas, um burro, dois ou três porcos e umas cabeças para irem para o gadinho.
Com o câmbio a estalar, os francos por poucos que fossem, convertidos em escudos, davam para engordar a conta bancária. Por essa altura, era fácil ter emprego. Primeiro na construção civil, depois a «fazer vidros». As mulheres, rotuladas de femmes de ménage, também saltavam de patroa em patroa até encontrarem aquela que pagasse melhor à hora. Eram tempos de cólera, amaciados pelo apéritif ingerido no bistrot ao fim do dia. Um local de culto que servia para matar a saudade da terra por entre as vozes da amada pátria.
Para mal do pecado, tudo hoje é para melhor. Os papeis estão feitos. O ganha pão é obtido com mais tranquilidade. Os filhos vão à escola. As casas são maiores. A língua deixou de ser estranha. Não é o Admirável Mundo Novo, é um Mundo tutelado pela legalidade, que expulsa os abusos e que está ancorado na experiência de uma primeira geração que deixou exemplo. Uma força de trabalho que ergueu um legado que ainda perdura.
Esta inegável evolução de bem-estar lembra o trajeto daqueles que iniciaram o trilho. O que hoje tem tapete era outrora lama. O encanto do pôr do sol não foi para todos, muito menos no dealbar do adeus. Foram muitos que saíram sem bater com a porta. Não espanta que Portugal seja o país da União Europeia com mais emigrantes espalhados pelo Mundo em comparação com a população residente. A nível mundial atingimos o lugar 27 na lista de países com mais emigrantes.
Estas notas ganham peso quando sabemos que temos fora do nosso país mais de cinco milhões de portugueses, número que arde tendo em conta que representa metade do universo que habita entre portas. Há muitas rotas desbravadas. As mais usuais passam por França, Luxemburgo, Reino Unido, Espanha, Suíça, Alemanha, Países Baixos, Moçambique, Angola, Brasil, Venezuela, África do Sul, Canadá e Estados Unidos da América (EUA). Com carimbo maior estão França, Brasil e EUA. Por aqui, o bate coração percorre mais de três gerações. Largo tempo que não trava o apego à raiz.
É este cordão umbilical que justifica o peso económico das remessas da diáspora, importante fonte de rendimento para as famílias portuguesas. A seguir à Suíça, é a comunidade emigrante em França que envia mais remessas, aplicadas em áreas como lazer, construção e imobiliário. Apesar do clima nubloso que paira sob o chapéu rasgado da covid-19 e do Brexit, em 2020 Portugal foi o país da União Europeia que expôs o valor mais elevado de remessas recebidas (€ 3,6 mil milhões) sem esquecer que no ano passado atingiu a cifra mais alta dos últimos 20 anos: € 3.677,7 milhões.
Compreendo que estes números causem pouco espanto na leitura a quem nunca saiu de Portugal em busca de melhor fado. Quem o fez anota-os religiosamente, acreditem. Ir a uma pátria que acolhe portugueses é dar mais valor ao abraço e ao olhar. Neste Mundo em roda livre, o fluxo descontrolado de pessoas, mais do que nunca, é uma caixa de pandora. Importa ter memória de quem acolheu para acolher. A balança até pode pender para a injustiça, o que é inegociável é a decisão.
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