Correio do Minho

Braga, terça-feira

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Diálogo de surdos-ficção e realidades (I)

Uma Europa e um Ocidente em crise: a ascensão da direita

Ideias

2014-05-30 às 06h00

Borges de Pinho Borges de Pinho

-Há tempos que não te via!... Tens passado bem?... Que é feito de ti?...
- Viva!... Vai-se vivendo o melhor que se pode e o país o permite.
- O país ou a política? As duas coisas, pois se a política nos anda a tramar e desde há muito tempo, o país também não ajuda. O povo não se mexe e quando há eleições é sempre a mesma m..... , e eu já não acredito em nada nem em ninguém.
- Pareces-me em baixo e desanimado!... Problemas?... De saúde!?...
- De saúde também, mas isso vai-se resolvendo com mais ou menos comprimidos. O que me preocupa verdadeiramente é o futuro, sobretudo o dos filhos e dos netos. A propósito... também já tens netos?
- E não poucos!... O futuro também me preocupa, até mais do que os cortes nas pensões e impostos. Aliás já não acredito em saídas sujas nem limpas, e apenas os miúdos, com suas brincadeiras e piadas, me fazem esquecer as amarguras da vida!...
- O que não é de estranhar porque a canalha de hoje é esperta e está atenta a tudo: às conversas, à televisão, ao que os rodeia, à electrónica e aos computadores!...
- É verdade!... No nosso tempo tudo era muito mais diferente, mas já não sei se era melhor ou pior!...
- Havia menos “barulho”, menos balbúrdia, menos políticos, menos paleio e mais ordem e segurança. Trabalhava-se mais, vivia-se pior, mas havia mais responsabilidade e seriedade no uso dos dinheiros públicos. Tanto quanto parecia e se ia sabendo...
- Por falar em segurança já viste como o país está?... E as leis e os tribunais?... Como andaste por lá deve fazer-te confusão saber e ver o que actualmente se passa !...
- E faz, e às vezes até concluo que não percebo nem sei nada de nada!... Nem sei se posso ainda ater-me ao que aprendi e os mestres nos ensinaram na universidade !... Agora há muitos “intelectuais”, modernismos, outra sabedoria, uma excessiva e doentia preocupação com os arguidos, os direitos e as liberdades, a legalidade e a Constituição!. E por tudo e por nada!... Mas tanta “inteligência” e saber, as prescrições, e outras “extravagantes” medidas e decisões não fazem calar o povo que, “lixado” e na miséria, já não tem pachorra para as “ilegalidades” e “inconstitucionalidades” continuadamente bolçadas pelos políticos e uns tipos que estudaram connosco em Coimbra!...
- Não fales de coisas tristes, ... nem desses gajos!... Mas olha que sinto ainda muitas saudades daqueles tempos e até da praxe, agora esparramada pelo país mas de todo adulterada por um naipe de “garotos” que a macularam, violaram e estragaram, e até já causam arrepios. A propósito, nunca chegaste a ser “rapado” pois não !?...
- Fui, ... fui ... porque caí no engodo de um treino de hóquei que não houve, mas só levei com umas tesouradas leves que nem sequer me obrigaram a ir ao barbeiro. Era a praxe e compreendi, pois estava na rua fora de horas por a “cabra” já ter dado as sete, e não tinha ninguém, familiar ou “doutor”, que me desse protecção. Mas nunca fui contra a praxe!... Tinha certa piada e era boa para os “caloiros” e sua integração numa cidade e meio diferentes. Sobretudo para a malta que vinha da parvónia e terras pequenas e pela primeira vez deixava as saias das mães, a tutela do pai e se via diante dum mundo novo. Ser estudante universitário e com uma outra e mais liberdade, depois de deixar os bancos dos liceus, os olhares dos reitores, e toda uma disciplina e ordem.
- Pois, e as horas de recolher e de não poder estar na rua obrigava a malta a uma nova disciplina, a ficar por casa, a estudar e a não se perder nas loucuras de uma liberdade sem controlo familiar e ... a não passar o tempo em noitadas!...
- Que também as havia, ou já esqueceste das idas à cervejaria da fábrica para “fazer a escala”, começando no fino ou imperial e acabando no balde, aliás uma coisa que nunca consegui por não aguentar muita cerveja !?!... Mas era muito mais saudável do que os shots e as “misturas” com vodka, whisky, absinto, gin, etc, nos bares actuais.
- Claro!...Mas tu “viveste” muito Coimbra e foste até bastante praxista!..
- Sim, mas exerci-a sobretudo quando já estava formado!... Era “veterano”, aguardava a ida para a tropa, podia exercê-la à futrica, sem a capa e batina, e ... passavam-se bons momentos!... Fui “rasgado” quando me formei e levei “pancada” da boa, mas recordo ainda com saudade o passeio que dei nu pela baixa, só com a capa segura pela correia das calças a cobrir-me, e a ida ao cinema de borla, como era de tradição!... Eles só me deixaram com os sapatos, a gola da camisa e a gravata cortada!...
- Agora está tudo diferente, e para muito pior!... Os “doutores” divertem-se com patetices e coisas sem piada, pés nem cabeça, algumas chocantes, ofensivas para a dignidade dos “caloiros”, e com ” brincadeiras” perigosas e arrepiantes. Tenho assistido a cada coisa nesta cidade!...
- É verdade, mas a juventude de agora é diferente!... Tem outra formação e educação (ou falta delas), diferentes valores, outros interesses e é mais “acanalhada”. Queixam-se das propinas mas passam noites nas discotecas e bares, nos copos, e para isso há dinheiro, e quanto a estudar ... está bem aranha!... Quando às terças feiras eu ia às 6 horas da manhã apanhar o comboio para Lisboa via estudantes ainda a regressar a casa, saindo de um bar que ficava no trajecto. Outros tempos, outras vidas, amigo!...
- Sem dúvida, mas quando recordo Coimbra e a praxe rio-me ainda das brincadeiras de então, dos gritos“às armas” à aproximação de miúdas, das “declarações” de amor dos “caloiros” às que passavam, das correrias a fugir das trupes, das “latadas”, etc, etc.. Acreditas que cheguei a exercer praxe num intervalo de exames ao ver um “semi” dar nas unhas a um “caloiro” exibindo-se diante de umas miúdas só porque o ”caloiro “ “agarrara” na pasta que lhe atirara à má fé?!... Como já era veterano e ele infringira a praxe por não ter feito o prévio “chamamento”da hierarquia praxista, obriguei-o a tirar o sapato e dei-lhe com ele nas unhas, para gáudio geral, diga-se!...
- Eu sei que tu eras terrível, sobretudo quando havia “touradas” a professores na sua primeira aula e aparecia por lá quem, não sendo da turma, não estivesse na praxe, de capa e batina, e depois, mentindo, se servisse da “palavra de honra” para fugir às unhas!
- Pois, pois!... Mas ninguém se importa agora com isso!... Hoje vêem-se os estudantes vestidos de qualquer maneira, sem traje académico, ora sem capa ora sem batina, a exercer aquilo que dizem ser praxe. E com as pastas e as fitas também o abandalhamento é geral, usando-as muitas vezes à futrica ou sem o traje completo!...
- É verdade, o que mostra que as regras e princípios por que hoje se regem são outros, com os estudantes “desordenados” nas suas praxes e vidas, indiferentes ao futuro e pouco ou nada preocupados em termos de seriedade, responsabilidade e trabalho!... Mas voltaremos ainda falar sobre isto tudo!... Olha!...Gostei muito de te encontrar e de estar contigo, mas agora tenho de me ir para ver se ainda apanho a loja aberta. Adeus!...Até à próxima!....
- Então adeus!... Também gostei muito de te ver e de falar contigo!...
(continua)

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