As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2025-04-10 às 06h00
«O lobo talvez mude a pele, mas nunca a alma.»
Erasmo de Roterdão (1466–1536)
A mente humana pode transformar solo árido em paisagem nutritiva como destruir o bucolismo e plantar asfixia. Pode quem manda e é raro o exemplo que seja merecedor de um aplauso que nos levante da cadeira com prazer e sorriso rasgado. Marchar com a coluna vertebral direita é cada vez mais difícil de encontrar e admirar. A Arte talvez seja o campo mais fértil onde o esforço e a lealdade à causa são recompensados em memória e gratidão.
Outra categoria que me prova um misto de vénia e intriga é a Ciência, labirinto complexo que não me atrevo a avaliar. Não obstante, observo-a em silêncio e, de quando em vez, espanto-me, tamanho o feito que descubro. O último foi divulgado pela empresa de biotecnologia Colossal Biosciences, sediada em Dallas, ao revelar que trouxe de volta à vida o primeiro animal "desextinto" da história, ao editar 20 genes de lobo cinzento com este ADN — de um dente com 13 mil anos e de um crânio com 72 mil — para dar às crias algumas das principais caraterísticas dos lobos-terríveis.
Estamos a falar de um animal (Aenocyon dirus) que viveu no continente americano durante o Pleistoceno – época compreendida entre 2,58 milhões de anos atrás a 11.700 anos – e que foi extinto no final da última “Era Glacial”, há cerca de 13.000 anos. A fazer fé nesta empresa americana, estes animais eram até 25% maiores do que os lobos cinzentos e tinham pelos grossos e claros bem como mandíbulas mais fortes.
O testemunho ganhou eco na Time onde podem ser contemplados dois exemplares de lobos brancos. No interior da revista, a empresa anunciou que deu vida a Rómulo e Remo. Com mais detalhe, os cientistas vincaram ainda que estão a criar três crias de lobo-terrível utilizando ADN antigo, clonagem e tecnologia de edição de genes para alterar os genes de um lobo cinzento, o parente vivo mais próximo do lobo pré-histórico. O resultado é uma espécie híbrida de aparência semelhante à do seu antecessor extinto. Em suma, foram criados embriões a partir de células modificadas de lobo cinzento, tendo sido implantados em cadelas, que deram à luz os animais.
Como curiosidade, este lobo-terrível serviu de inspiração para o temível canino que aparece na popular série televisiva “Guerra dos Tronos”, emblema da Casa Stark, à qual Jon Snow pertence. Um predador de topo que outrora percorreu a América do Norte. Foi ainda revelado pelos investigadores que o terceiro elemento é uma fêmea batizada de Khaleesi, nome da protagonista da série.
Este exemplo junta-se a outros que fazem abrir a boca ao Mundo à medida que a Ciência ganha corpo nas suas diversas áreas que têm tanto de bom como de perverso. A Colossal defende com “unhas e dentes” que este feito representa "um salto em frente para a ciência, nosso planeta e humanidade".
Para já, estes três “ressuscitados” – Rómulo, Remo e Khaleesi – estão a ser cuidados numa reserva ecológica certificada pela American Humane Society sob o registo do Departamento de Agricultura dos EUA. O local, não revelado, está bloqueado por cercas de “grau de zoológico” de três metros de altura, sendo monitorizado por pessoal de segurança, drones e câmaras ao vivo num território de 800 hectares.
Esta notícia vem a lume numa altura em que sabemos que os atuais modelos de perda de biodiversidade apontam para que, no próximo século, se extingam metade de todas as espécies que hoje vivem. Ainda sobre este tema, os cientistas afirmam que estamos a passar pelo sexto episódio de extinção em massa no planeta.
Acredito que o termo desextinção passe a ser publicitado com maior frequência o que não significa que seja sinónimo de triunfo. Há outras questões paralelas que colocam interrogações às eventuais consequências destes avanços provocados pela engenharia genética e biologia sintética.
Primeiro importa contextualizar o termo. Desextinção é “reviver” uma espécie extinta por meio de técnicas de biotecnologia, como a manipulação genética, isto é, recriar a espécie com base no ADN preservado, frequentemente encontrado em fósseis, ossos ou até em amostras de tecidos. Porém, esta “ciência da ressurreição” não é apenas sobre a reprodução de um organismo. Envolve, também, a reintrodução desses animais no ambiente natural, o que levanta uma série de questões ecológicas e éticas.
Com efeito, nem todos afinam no mesmo diapasão. Os céticos defendem que a reintrodução de espécies extintas pode gerar desequilíbrios ecológicos. A falta de ecossistemas originais e a possibilidade de novas doenças podem comprometer não apenas as espécies recriadas, mas também o meio ambiente contemporâneo.
Por outro lado, se é daqueles que sonha um dia reviver dinossauros, respondo-lhe já que é impossível, porque desapareceram há 65 milhões de anos e o limite de sobrevivência do ADN necessário para se tentar a “desextinção” de um animal é de um milhão de anos. Daí que seja cada vez mais comum a preservação de ovócitos, espermatozoides, embriões e outros tecidos de animais que estão em sério perigo de extinção com o propósito de um dia tentar a ressurreição da espécie. No estado americano da Califórnia, no Jardim Zoológico de San Diego, quem o visitar fica a saber que existe o “Zoo Congelado”, onde guarda material genético de mais de 800 espécies e subespécies.
Contas feitas, por entre moribundos, mortos e ressuscitados, há uma lição que o ser humano nunca deve olvidar: só ele pode evitar o desaparecimento das espécies. A começar por ele próprio.
19 Julho 2025
18 Julho 2025
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