A pandemia, a transição digital e a nova gestão pública
Ideias
2019-02-08 às 06h00
Sogra esventrada. Filha estrangulada. Ele, passado aos infernos não sei com que bilhete. Drama regurgitado pornograficamente, em directo televisivo, magnético ou revoltante, segundo inclinações. Informar é outra coisa, que não este resvalar para um empolamento recursivo dos factos, para mórbida engorda de ganso tolhido. Informar é conferir forma apreendível, é dar corpo a pistas e ferramentas para que fenómenos deste teor se façam raros. Mas onde esteve a Justiça, posto que queixas houve? Salve, fãs do Relatório Minoritário, ficção feita modelo desejável de acção penal.
A vida acontece diante de nós e arrasta-nos em excesso de velocidade. Tudo se precipita numa fracção de segundo. Um desvio, uma distracção, e damos por nós de pernas para o ar. Sim, talvez houvesse sinais bastantes de que uma tragédia estaria iminente; porém, como saná-la? Enclausurando o potencial agressor? Com que base? Por quanto tempo? Barrando o acesso às vítimas adivi- nháveis? Como? Deportando-o para uma Sibéria longínqua? O criminoso em gestação, que macera em caos interno, tropeçará inevitavelmente na oportunidade de manchar a luz do dia com nova abjecção. A menos que saibamos inverter o rumo dos acontecimentos.
Há uma intervenção que faz sentido, mas essa ninguém quer, suponho. Quem é que investe na atenuação do conflito, ainda que o objectivo não seja o da reconciliação do casal em rota excêntrica? Que juiz, que equipa de técnicos sociais e terapeutas, se coloca à disposição de um homem e de uma mulher desavindos, para que saiam com brios intactos de uma ligação íntima sem perspectivas, de uma relação que falhou por lacunas mútuas, por erros de cálculo e de processo, que nenhum dos intervenientes estaria capacitado para prever ou corrigir?
Fala-se demasiado da judiciarização e nada – quanto eu sinta – da reconstrução de ambos. A morte é o epílogo medonho da não-vida em tumba matrimonial, dos afectos que não se trocam já, dos planos pueris que deixaram de elaborar em conjunto. Bateu, é um facínora; foi golpeada, é vítima. Chocante simplicidade que pouco resolve. Vivemos com teorias e práticas obsoletas, acrescentaremos anos de pena para ficarmos de bem connosco próprios, imaginamos que campanhas de sensibilização darão resultados brilhantes, que mais uns tostões para refúgios alterarão a curva ascendente da insanidade. Ilusões.
Bem-aventurados os que sobrevivem as agruras da vida como se nada fosse, seja porque nada os eleva acima da futilidade, seja porque respiram um passo adiante da desdita libertadora. E aos céus graças que constituam maiorias. E, depois, há os outros, espécie de funâmbulos sem rede, espécie de ilusionistas de serrote verdadeiro e caixa sem fundo falso, que serram a partner no desfecho de truque nunca realmente aprendido. Já não digo que a vida a dois é um mistério – a vida de cada um consigo próprio é um enigma sem página de soluções no final do caderno.
Não sei que juízo farão da minha prosa. Nunca, porém, espero, o de que relativizo a infâmia. Limito-me a introduzir a ideia de um sofrimento insuportável, de uma percepção aguda de colapso, de uma perda catastrófica de controlo. E é aqui – ou bem antes deste ponto – que eu acho que deveríamos apostar as nossas fichas.
Sejamos inclusivos, pensemos a mulher e o homem como vítimas, ainda que ele o seja de si próprio, por força do que não sabe, do que não aprendeu. Pensemos que o amor maculado tem uma só saída: o resgate e a reconstrução de dois bons actores com papeis infelizes colados à pele. Mudemos de paradigma, corajosamente, que o actual leva a nenhures.
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