Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2019-01-21 às 06h00
Naquela sessão, o tema despertava interesse. Imaginei a constante pressão, o trabalho árduo que um auditor deverá ter para se manter atualizado, dominando, na sua plenitude, as diversas áreas determinantes para a obtenção do estatuto de Operador Económico Autorizado (AEO). De uma forma simplista, este certificado permite reduzir o fator risco de uma entidade envolvida no comércio internacional. Permite, por exemplo, à posteriori, a obtenção de simplificações nos processos e trâmites aduaneiros e uma diminuição dos seus controlos físicos e documentais. Naquele momento, recordei um cliente recente que me afirmava o seguinte: a principal preocupação do seu departamento financeiro focava-se prioritariamente nas auditorias externas e na potencial impossibilidade de o novo sistema potenciar, ou não, uma rastreabilidade transversal de transações passadas, criadas durante todo o ciclo de vida da compra de um produto. Ou seja: desde a criação da primeira ordem de encomenda, do transporte da mercadoria, da receção da mesma, até à sua evidência contabilística. O assunto «auditoria externa» era sempre quente e a pressão de garantir aquela informação aos auditores, de forma clara e suficiente, era uma obrigatoriedade para aquele retalhista.
Naquela sessão, a apresentação permitia esclarecer perfeitamente a preocupação daquele cliente. A informatização da informação foi tema que se seguiu, permitindo novamente imaginar o quão trabalhoso deverá ser o esforço dos auditores na tentativa de compreensão de informação multidisciplinar, dispersa ainda em papel amontoado, de sucessivos avanços tecnológicos e mudanças aplicacionais, de processos não documentados ou não atualizados. No fundo, o quão difícil é perceber os informáticos e a sua natural abordagem de problemáticas relacionadas com o negócio em particular. Realçou-se também o “informatiquês”, como sendo uma das barreiras mais relevantes e influentes na plena interpretação dos processos e documentação suportada computacionalmente, interpretação que comprova a forma como os sistemas registam as suas transações.
Tentei, por momentos, compreender o sentido da utilização daquela palavra. Mesmo sabendo que foi mencionada em tom de brincadeira, a sua utilização foi deveras pertinente. Permitiu-me vislumbrar dois desafios evidentes, acredito que plenamente presentes na atividade diária e profissional de qualquer informático. Para enquadrar o primeiro desafio, estabeleço um paralelo entre a palavra inglesa «traceability» e a sua tradução direta em português: «rastreabilidade». Se, por um lado, leio a tradução «rastreabilidade» no dicionário, entendo a natural tendência para a criação da nova palavra, não dicionarizada «traceabilidade». Se para um informático este ajuste faz algum sentido, por ser “trace” um termo técnico banalmente utilizado, talvez não o seja para um interveniente de um negócio em particular. O segundo grande desafio advém da falta de formação de base, incapacidade, desinteresse ou até inaptidão de abstração de detalhes técnicos quando se discutem processos de negócio. Uma das premissas essenciais nos informáticos atuais deveria ser a convicção de que sem um correto entendimento da linguagem da sua área de atuação, neste caso, por exemplo, associados ao retalho e à sua cadeia de abastecimento, nunca poderão transmitir plena confiança aos intervenientes de negócio nem captar de forma correta todos os seus requisitos.
Existem, atualmente, organizações que preferem implementações de soluções informáticas desenvolvidas internamente, pelos seus departamentos de informação e tecnologia. Por outro lado, outras preferem comprá-las a fornecedores externos, de menor ou maior renome, garantindo soluções sólidas no mercado. Ambas oferecem diferentes vantagens e desvantagens, associando-lhes maiores ou menores custos e riscos. Resultado de novas decisões estratégicas e táticas, a coexistência de ambas é natural nas grandes empresas. Uma das grandes vantagens, pelo menos aparente, na utilização de sólidas soluções no mercado, é a garantia da existência prévia de outras implementações noutros clientes, de documentação e de modelos de referência base, que permitem adquirir algum conhecimento sobre as funcionalidades dos seus módulos, de versão em versão.
Sob pressão constante e perante uma competitividade extrema, infelizmente, em sistemas desenvolvidos dentro de casa, todos e quaisquer ajustes são praticamente executados em tempo real e a pedido direto dos elementos de negócio. Isto, sem um processo adequado, um planeamento ajustado, sem obrigatoriedade de qualquer documentação e até sem se perceberem, no momento, de quais os reais impactos em todos os sistemas, aplicações e até em alguns processos de negócio circundantes. Todos estes fatores aumentam substancialmente o risco de operação e implicam que o conhecimento seja perdido, ou até que fique à mercê de apenas alguns indivíduos. Compromete-se, assim, e seriamente, a plena evolução de todo um ecossistema de pessoas, processos, aplicações e arquitetura de sistemas em jogo.
Por estes motivos, acredito que quem requer o estatuto de AEO se deve preparar para uma auditoria, assumindo proativa e atempadamente um compromisso interno que lhe permita não só disponibilizar documentação atualizada dos seus processos e sistemas, mas, também, informação que potencie a obtenção de pistas transversais de auditoria. Seja, ou não, o “informatiquês” uma potencial barreira ao diálogo e ao entendimento plenos, espera-se uma consciencialização das organizações para uma constante promoção de formações no sentido reverso. Isto é, capacitando também os seus informáticos, cuja base de formação é, de facto, técnico-científica, com noções essenciais e reais sobre o seu negócio.
*Com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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