Um caos ou um caso de sucesso
Ideias
2022-01-21 às 06h00
As próximas eleições, a 30 de janeiro, assumem uma importância, provavelmente sem paralelo recente, no desenho do futuro. Opõem-se, de forma clara, modelos alternativos do papel do Estado na vida económica, ainda que através de potenciais coligações. A questão é muito antiga, e tem sido abordada de forma quente, mais ou menos ideológica, mas também pela literatura científica.
De uma forma muito sumária, e mesmo caricatural, a intervenção do Estado pode ser vista como má, induzindo uma menor motivação para um bom desempenho profissional, substituindo-se ao investimento privado e mesmo impedindo-o e constrangendo oportunidades de crescimento económico. O mercado, funcionando por si de forma livre, protegerá os melhores, os mais capazes, os mais eficientes, no quadro de uma “harmonia natural” (naturalmente, o mercado) contribuindo por essa via para o aumento do bolo, em termos económicos. Outros argumentos, nesta linha de pensamento, sublinham a futilidade, os perigos, mesmo a perversidade da intervenção do Estado (Hirschman,1991), na medida em que qualquer tentativa de mudar a ordem económica e social estará destinada ao falhanço ou gerando efeitos contrários, envolvendo em qualquer caso custos elevados. A ideia geral aproxima-se muito disto – quem tem unhas, toca guitarra, os outros tivessem. A evolução e seleção natural, à Darwin, induzirá o desaparecimento dos menos eficientes. Em termos globais, um teorema procura demonstrar que num mundo em que o mercado funcione livremente, via concorrência, o preço dos fatores produtivos tenderá a equalizar-se, e os salários convergirão para o mesmo nível em todo o lado. Todos igualmente ricos.
Como em todas as histórias, o problema são os “se”. Se o mercado funcionar sempre bem, se os indivíduos e empresas forem sempre racionais nas suas escolhas, se tiverem acesso a toda a informação, perfeita, no momento em que fazem escolhas e tomam decisões. Se a localização dos países ou os custos de transporte não forem importantes, se todos tiverem acesso á mesma tecnologia, se o percurso histórico dos países for semelhante, e a história individual ou familiar não diferencie oportunidades. Se todos tivéssemos o mesmo grau de literacia, por exemplo, financeira; parece que Portugal está na cauda da Europa nesse campo. Se as empresas não detiverem poder de mercado diferenciado. Bem sabemos como no dia do casamento, a jura do amor eterno se confronta eventualmente com os “se” quotidianos, justificando uma taxa de divórcio na ordem dos 61,4% (Portugal, 2019). Que cresce em ambientes mais complexos e instáveis, como a pandemia tem demonstrado. Uma conhecida anedota refere que, se num circo, com leões, as barreiras caírem, basta assumir que os leões não estavam lá. E tudo estará bem. Se !
A história faz a diferença. A geografia faz a diferença. A dimensão da empresa faz a diferença. E por aí fora. A importância do Estado na vida económica vem associada à necessidade de criar as condições que permitam o bom funcionamento da economia de mercado e a defesa dos consumidores, permitindo uma sociedade mais equilibrada e justa e oportunidades para todos. No mundo real, os mercados operam com falhas, e geram externalidades. O mundo em que vivemos, em particular na Europa desde o pós-guerra, deve-se em larga medida a um sistema de bem- estar público, que garantiu acesso à educação e à saúde, transportes e comunicações, apoios à reforma e ao desemprego, e permitiu progresso tecnológico, inovação – e crescimento económico. Mercado e acumulação de capital explicam apenas parte da história, longe de serem suficientes.
As sinergias que são criadas, os mecanismos de distribuição e redistribuição de rendimentos, entre outros fatores, contribui para o crescimento económico e para a sua difusão na economia, tanto em termos nacionais quanto internacionais. A história importa de forma clara – a educação, a especialização e a sofisticação dos trabalhadores e gestores, a dimensão das empresas, a cultura dominante, a promoção de novo conhecimento e a diferenciação de produtos, tudo isso contribui para o crescimento económico.
Ao Estado compete também assegurar um funcionamento democrático. Estudos de autores como Acemoglu e outros (2019) mostram que a democratização aumenta o PIB per capita em cerca de 20% no longo prazo. No mundo complexo, instável e interdependente em que vivemos, marcado por profundas mudanças difíceis de enquadrar, a democracia e a regulação pública dos mercados e da distribuição, têm de ser preservados. Para que os nossos filhos e netos vivam num mundo pelo menos comparável ao nosso.
21 Maio 2022
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