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Delon

As férias e o seu benefício

Delon

Escreve quem sabe

2022-05-27 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

Está por um fio o respirar do lendário Alain Delon. Por decisão própria, um dos homens que mais derreteu corações no imaginário feminino quer sair deste Mundo sem esperar pelo último fôlego. Um arbítrio amparado na legislação suíça que lhe confere autoridade para avançar.
O anúncio foi comunicado por estes dias pelo filho Anthony Delon numa entrevista que concedeu à revista francesa "Le Point", dias antes do lançamento da autobiografia “Entre o Cão e o Lobo” onde são desenterrados fantasmas que colocam a nu o clima turbulento da relação mantida com o pai.

Nascido em novembro de 1935 nos subúrbios de Paris (Sceaux, Hauts-de-Seine), Alain Fabien Maurice Marcel Delon é um marco no cinema europeu. Deixa um legado cultural de cerca de 80 filmes. Meio século de carreira dirigida por cineastas como Jean-Pierre Melville, Luchino Visconti, Joseph Losey ou Michelangelo Antonioni. São inesquecíveis as performances em «Morte de um canalha», «Mr. Klein - Um Homem na Sombra», «O Ofício de Matar» e «O Leopardo». Despediu-se, em 2008, no magistral «Astérix nos Jogos Olímpicos» filmado durante meio ano na cidade portuária de Alicante (Espanha) ao interpretar Júlio César. Em 2017 desenrolou o cair do pano.
Arrebatador em beleza, foi música para os ouvidos da imprensa cor de rosa ao colecionar affaires com Romy Schneider, Dalida, Mireille Darc ou Anne Parillaud. Um sex symbol controverso que espalhou charme nas décadas glamorosas de 60 e 70.

O iminente fim deste artista francês lembra a majestosa casta gaulesa na qual cabem nomes como Jean-Paul Belmondo, Marcel Marceau, François Truffaut, Brigitte Bardot, Anouk Aimée, Jean-Louis Trintignant, Michel Piccoli, Simone Signoret e os ainda visíveis Catherine Deneuve e Gérard Depardieu. Um naipe que desfilou glamour largos anos e que fez da França um dos países de melhor exportação cinéfila mundial.
A viver na Suiça – onde o suicídio medicamente assistido é legal – desde 1978, Delon entende que chegou ao fim. Esperar não o honra. A si e aos seus. Com 86 anos, pediu ao filho para fazer o que fez com a mãe. Nathalie Delon, ex-mulher do ator, decidiu também ela o dia da reta final. Em janeiro de 2021, com 79 anos, disse adeus aos efeitos do cancro no pâncreas.

Desde 1942 que o suicídio medicamente assistido é permitido na Suíça. É um procedimento diferente da eutanásia, não autorizada no país. A diferença reside em quem opera o ato final. Na eutanásia, uma pessoa executa o ato para acabar com a vida de alguém e, desse modo, termina o sofrimento a pedido do paciente; no suicídio assistido, a pessoa apenas auxilia a tirar a própria vida. Neste caso, o ato de ingerir ou administrar o medicamento letal é realizado pelo próprio enfermo. Quem ajuda a pessoa a morrer não necessita ser médico, apenas ser altruísta. À luz da lei suíça, não é imperativo ter uma doença terminal para solicitar a chamada morte voluntária assistida. Todavia, é obrigatório ter a mente sã e ter expresso um desejo consistente de colocar ponto final.

É neste contexto – já com o testamento entregue – que Delon caminha para o fim da estrada. Vergado, defende que «envelhecer é uma merda!». Os últimos anos têm sido penosos. Em 2005 confessou à revista Paris Match que padecia de problemas vasculares. Anos mais tarde foi internado após episódios de arritmia. Em 2017 recebeu um bypass coronário na artéria femoral. Dois anos volvidos sofre um duplo AVC.
Quem, como eu, nasceu e sentiu o impacto que representou este ator num país como a França, é mais fácil tolerar este basta. Imagino-o a não suportar o silêncio do espelho. Um vazio que mostra o rosto em caricatura e com a visão a tocar na saudade. Tudo inala num corpo que foi desejo e posse. Para trás, vão ficar hospitais, injeções e pudor.

Nesta tombola, resta o pôr do sol de Douchy, uma propriedade estendida em 50 hectares localizada em Loiret. É lá que idealizou ser enterrado numa capela, perto das 50 sepulturas dos seus cães. Sem medo da morte, garante que parte em paz até porque já morreu Loubo, um pastor belga que amou como um filho: «se eu morresse antes dele, já tinha pedido ao veterinário para que ele viesse comigo. Iria picá- lo para que ele morresse nos meus braços». As contas estão feitas. Au revoir, Delon.

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