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Da memória dos tempos ao futuro

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Da memória dos tempos ao futuro

Ideias

2021-02-12 às 06h00

Margarida Proença Margarida Proença

Por estes dias, recebi uma listagem exaustiva das datas de nascimento dos membros de toda a minha família alargada, dos avós aos bisnetos passando por uma multiplicidade de primos. Enfim, gerações e gerações, cada uma contando uma história de dificuldades e desafios, de ganhos e perdas. No grupo dos mais seniores, fica espelhada a segunda década do século XX. Vinha dos despojos da Primeira Guerra Mundial, com dez milhões de soldados mortos, e da pandemia da gripe espanhola, responsável pela morte de 50 milhões de pessoas entre 1918 e 1920. Ficou conhecida por esse nome, mas na verdade os primeiros casos foram detetados em soldados americanos, no Kansas, tendo a partir daí migrado para a Europa, multiplicando-se nas trincheiras dos soldados.
O mundo tinha mudado. No pós-guerra, a reorganização territorial dos países europeus, a deslocação maciça de pessoas e da produção, as expectativas irrealistas sobre o pagamento das reparações de guerra e a criação formal da União Soviética, com uma economia orientada para dentro, acabaram por justificar a manutenção de níveis elevados de protecionismo – apesar da Sociedade das Nações , uma organização internacional criada em 1919 com o objetivo de reunir todas as nações e resolver os conflitos através de mediação e arbitragem. Conforme sublinhava Hobsbawm em 1996, o fim da Primeira Guerra Mundial não correspondeu em nada às esperanças de um mundo pacífico, democrático, ou mesmo em termos de um regresso à economia de 1913. As condições políticas, sociais e económicas tinham-se alterado profundamente. A guerra tinha induzido comportamentos não cooperativos por parte dos países, os trabalhadores tinham ganho muito poder sindical, o sufrágio era agora universal, a opção pela desvalorização e pelo desemprego enquanto políticas no sentido de garantir a convertibilidade do padrão-ouro passaram a ter custos políticos elevados. Começava assim um período sem regras nem normas claras, marcado pela instabilidade, com flutuações cambiais associadas ao excesso de emissão de moeda e com os países a recorrerem a desvalorizações competitivas e ao protecionismo.
Os Estados Unidos emergiam como a principal economia mundial. A França e a Alemanha, destruídas, modernizaram os seus equipamentos industriais, enquanto a Inglaterra tentava voltar ao quadro pré–1914, procurando manter o seu papel de superpoder no quadro internacional. Não era obviamente possível; a economia europeia, 11 anos depois da guerra, ainda não tinha recuperado.
Mas as pessoas precisavam por todo o mundo, de acreditar e sonhar. Os anos 20 foram uma época de euforia, consumismo e efervescência cultural. O papel das mulheres na sociedade começa a alterar-se ainda que lentamente, a par de outras formas de vestuário, de novas tecnologias de uso doméstico e da acessibilidade ao voto. Começam a construir-se grandes arranha-céus e grandes empresas com superprodução de produtos. A sociedade de consumo impunha-se, os salários subiam e os níveis de vida tambem. Nos EUA, o número de carros em circulação triplicou entre 1920 e 1929. Foram criadas novas instituições financeiras, e introduzidas muitas inovações em termos de gestão empresarial. A especulação na Bolsa americana cresceu de forma espantosa, refletindo os investimentos maciços feitos no setor automóvel, nas comunicações, na petroquímica; há relatos de muitas pessoas que vendiam as suas casas para comprar ações, procurando assim obter lucros fáceis. Uma nova borrasca, espantosa e terrível, alimentada pela crise económica que começa em 1929 e se prolonga por toda a década de 30, pelo protecionismo e pelo populismo crescente, começa a desenhar-se no horizonte. A atual pandemia do COVID-19 é um acontecimento raro, um choque global com consequências ao nível da redução da produção e da produtividade, do emprego, do consumo e do investimento, agravando a incerteza em que todos nos movemos. Voltaremos ao ponto de partida, ao pré-março de 2020? Na minha opinião não: a maneira como trabalhamos, o valor que atribuímos à educação, a perceção da necessidade que temos de bons serviços públicos de saúde e de excelência na ciência e na investigação, entre outros elementos, vieram para ficar. A Europa vai pagar um preço alto, os Estados Unidos fazem uma tentativa com Biden para não perderem o seu papel hegemónico, a China reforçará a sua influência. As taxas de juro deverão manter a sua tendência decrescente, o que poderá induzir de novo um aumento no endividamento. Esqueçam as histórias de sucesso em países particulares, como a Suécia - no mundo global em que vivemos, não há ilhas, ninguém ficará imune.
E Portugal? Depende de nós, do aproveitar de novas oportunidades, de ser eficiente na utilização dos recursos de que dispõe, da monitorização dos contextos externos e da rapidez com que se adaptar. Da capacidade de acreditar no futuro, e fazer por ele.

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