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Corpo

As férias e o seu benefício

Corpo

Escreve quem sabe

2023-03-31 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

«Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar»
Friedrich Nietzsche

O que vale um corpo? Até onde pode ir o torpor humano em contraponto com o rasgo da luz?
É nesta balança que pesamos a maioria das decisões que tomamos. Há aqui uma mescla de perversão e ingenuidade. Nem sempre o abonado estereótipo é sinónimo de sorriso. Não raras vezes deixa-se esventrar pela malícia do olhar, vezes sem conta mascarado pelo fracasso.
Este mote lembra o impacto avassalador que representa a obesidade, doença já assumida como a pandemia do século XXI. Entre nós é um crescente problema de saúde pública. Crescente, mas magro para o Mundo que temos. O Instituto Nacional de Estatística (INE) já veio garantir que mais de metade da população adulta apresenta obesidade ou excesso de peso. É uma patologia crónica. Um estímulo para doenças cardiovasculares, diminuição de fertilidade e morte súbita. Mais de metade da Europa tem excesso de peso, isto significa um Índice de Massa Corporal igual ou superior a 25. A maior fusão europeia está em Malta, Croácia e Hungria. Do outro lado da moeda, encontramos Itália, Bélgica e França. Se estendermos a corda, quase 40% da população mundial (2,6 mil milhões de pessoas) já é obesa ou tem excesso de peso. Até 2035, mais de metade do globo (51%) deve transpor os cânones.
Porém, o drama maior está na cabeça. O Estado assobia. As famílias nem todas têm dinheiro ou sensibilidade para entrar no gabinete de um psiquiatra ou psicólogo. Somos um país de rótulos. Só paramos quando é tarde. Temos o gatilho dentro de nós ou no vizinho do lado e teimamos em afagar a veia prestes a explodir. Há uma inconsciência consciente. Dói de ver. Enoja a sentir. Parece um filme de Fellini. Pela televisão entram os dados que todos ou quase todos sabem de cor e salteado: hipertensão, diabetes, asma, fígado gordo, apneia do sono, acidentes vasculares cere- brais e depressão. Um cocktail que deveria obrigar a parar.
Mais do que datas para fotografia ver, importa educar. Sem medos. De frente. Olhos nos olhos. Sem o barulho do silêncio. Nem que doa, a palavra não deve ter filtro. Seja dura como sincera. Verdadeira como cruel. Todos temos um exemplo. Um olhar que nos mata. Que vemos o que nunca imaginamos ver. Um familiar ou amigo, outrora símbolo de virtude, hoje um pedaço desse tempo. Roto por dentro. Roído pela noite. Sugado pelo amanhecer.
Por estes dias, entrei no cinema para ver o primoroso Brendan Fraser. Renascido. Saído do buraco. Um vulcão no ecrã. Uma ode à interpretação no filme “A Baleia”. Mais do que o Óscar, renasce o homem. Vê-lo em palco é acreditar que há esperança quando o esgoto nos abraça. Muitos mergulham na gula. Por ela, vertem a falta do toque. Uma angústia que poucos reparam na fase inicial. Só quando o corpo, o maldito emblema visual, desenha semblante carregado é que alguém, ao de leve, começa a falar. Palrar manso. Domado. Cínico. Mais tarde, é tarde. Entram os fármacos, quando entram. Uns pela pressão, outros pelo insustentável espelho.
Definha-se o rosto. O sorriso é uma tela sem luz. Ouvem-se, aqui e acolá, sussurros. O olhar mata. Até que alguém decide levantar a voz. O ouvido entra em negação. As pálpebras soltam-se. Os lábios murcham como a larva ao pousar na pétala.
Neste poço sem luz, sobe ao palco o semaglutido, em Portugal disponível com o nome comercial de Ozempic. Desde há meia dúzia de anos no mercado, promete queimar quilos a velocidade cruzeiro. Só nos últimos meses, o Estado, sem contar, já gastou 18 milhões de euros com este medicamento que tem a garantia de ser o mais eficaz no combate à obesidade na Europa.
Um farol de campo aberto, garantem. Para termos uma mera ideia, o serviço nacional de saúde inglês disponibilizou a 10 mil doentes que sofrem de obesidade este “milagre” usado para diabetes. Uma aposta administrada semanalmente ao longo de dois anos. Não obstante, até final do ano está prevista uma nova molécula no mercado que promete destronar as antecessoras.
Por mim – sem nunca desvalorizar a importância do apoio clínico – prefiro a palavra. O saber ouvir. O deixar ouvir. Partilhar no silêncio. Não deixar que este galgue na ausência. Priorizar. Dar valor ao tempo. Este, garanto-vos, dá todas as respostas. É uma questão de tempo.

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