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Como explicar as declarações do presidente

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Como explicar as declarações do presidente

Ideias

2024-05-10 às 06h00

J.A. Oliveira Rocha J.A. Oliveira Rocha

Tenho lido e ouvido todos os comentários às declarações do Presidente da República à imprensa estrangeira, nas vésperas das comemorações dos cinquenta anos do 25 de Abril. As declarações do Presidente são de tal modo sérias que exigem uma análise e não o mero comentário de que o Presidente fala de mais e, por vezes descarrila. Poderia ser cómodo ficar por aí, mas MRS é uma pessoa muito inteligente e não dá ponto sem nó.
Das explicações que encontrei sublinho três e ressalto uma quarta que só vi ao de leve sugerida, mas não desenvolvida.
A primeira é de que o Presidente não está bem e que está arrependido por ter dissolvido o Parlamento e ter provocado a queda do Governo de maioria absoluta. Sendo que o resultado foi uma situação política instável e a ascensão do Chega, partido da extrema-direita populista. Pode haver algum fundamento nesta explicação, mas não se tratou de um ato isolado. O Presidente não se sente à vontade com a situação, mas é verdade que se viu ameaçado com a vitória do PS em 2022 e com maioria absoluta que pôs em causa a capacidade de intervir no processo político. E desde aí o Presidente interveio, intrigou e ameaçou, não querendo perceber que se trata da lógica do semipresidencialismo. Ele quer mandar.

A segunda explicação vê nas palavras do Presidente o comportamento caraterístico de um entertainer, o qual para ser ouvido, tem de ter um alto grau de popularidade. E, como esta vinha baixando, o Presidente quis ocupar o primeiro lugar nas redes sociais e nos comentários políticos, não tivesse ele próprio sido comentador político durante muitos anos. Tratar-se-ia de um comportamento inconsciente de quem costuma falar muito.
Relacionada com esta explicação, existe quem veja nestas declarações o velho Marcelo intriguista e criador de factos políticos. E, valha a verdade, a questão das indemnizações às colónias criou um verdadeiro terramoto político que pode destruir a CPLP, tão difícil de pôr de pé. Mas MRS não mede as consequências, diverte-se.

Todas estas explicações têm a sua lógica, mas gostava de ir mais longe e procurar uma explicação mais profunda que vou buscar à cultura portuguesa que permanece, apesar da Revolução de 1974. Marcelo Rebelo de Sousa é um elitista, filho de um ministro e governador geral de Moçambique do antigo regime e afilhado do último presidente do Conselho do Estado Novo. E, esta elite sempre mandou no país. É certo que teve alguns sobressaltos com as sucessivas revoluções, mas sempre teve arte e engenho para sobreviver. Foi assim com a Revolução de 1380, com a Restauração em 1640, com Revolução Liberal de 1820, com a República, com o Estado Novo e com o 25 de abril de 1974. E, mesmo neste caso e apesar dos novos-ricos- merceeiros dos supermercados e patos bravos da construção civil-, a elite recuperou o poder na sociedade portuguesa. Imagino o jovem Marcelo, quando viu ruir o seu mundo e, embora singrando de um lado para o outro, nunca perdeu a recordação desse tempo de agonia. É este trauma que explica a classificação de Luís Montenegro como lento por ser rural, isto é não pertencente á elite; e de António Costa como oriental, isto é, mestiço, não verdadeiramente português. É que, apesar da adoção do luso-tropicalismo, como ideologia oficial do Estado Novo, depois da Segunda Guerra, nunca desapareceu a velha cultura do português de puro-sangue.

Quanto à reparação pelos atos do colonialismo, não vejo aqui nenhum ato de contrição, mas de ressabiamento pela descolonização: já que fizeram a revolução, já que deram a independência às colónias, já que afastaram a pátria do seu caminho de glória, agora paguem. É um ajuste de contas.
Eu percebo a angústia de MRS, já que a elite a que pertence está agora confrontada com a direita populista que vê a sociedade dividida em dois grupos: o povo bom e as elites corruptas; e que a ligação às massas se deve fazer diretamente ao líder. O Chega é, pois, neste momento, o grande inimigo de Marcelo e que o deve impedir de dormir. Mas, foi ele que criou as condições para o crescimento do monstro.
E, para concluir, é caso para perguntar: como foi possível eleger este Presidente da República? Não tenho uma resposta, mas sei que se o poder desta elite parece, apesar de tudo, ter diminuído, se deve não tanto à revolução, mas á integração europeia que tem vindo a diluir esta elite e esta cultura política.

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