As emoções no outono
Ideias
2021-03-06 às 06h00
A humanidade está confrontada com desafios cada vez mais complexos e exigentes, mas aquilo que marca os problemas contemporâneos não tem a ver com ameaças vindas de fora, pelo contrário, decorre de riscos que impomos a nós mesmos e do grau de imprevisibilidade que daí resulta. Vivemos em sociedades de risco e estes riscos estão ligados à modernização industrial e ao crescimento exponencial da produção, bem como à exploração descontrolada dos recursos naturais e à contaminação progressiva, cujos danos colaterais não têm quaisquer precedentes. Sabemos hoje que 70% dos surtos epidémicos começaram com a desflorestação, a destruição massiva das selvas e dos bosques tropicais provocou, entre outros efeitos, a passagem de vírus dos animais para os humanos.
As sociedades contemporâneas estão, pois, confrontadas com desafios de caráter global (somos todos solidários pelos riscos), problemas ecológicos (perda da biodiversidade, aquecimento e contaminação), solucionismo tecnológico (ilusão de que a ciência e a técnica tudo resolvem), novas desigualdades e indiferença moral. Não basta transformar o mundo, é necessário interpretar essa transformação, de maneira que o mundo, ao mudar, não deixe o homem para trás. Corremos o risco de sermos desalojados do mundo, conduzindo ao que podemos designar como Homem sem mundo. Aquilo a que chamamos progresso não só deixou de coincidir com a humanização do mundo, como pode acabar por ditar o seu fim. Precisamos de ser mais críticos com a inovação e perguntar se isso significa bem estar para as pessoas, ou apenas lucro desmesurado para as grandes empresas, destruição da natureza e alienação. A sociedade contemporânea deixou de questionar-se a si mesma, falta autocrítica, debate e ações consequentes.
A crise em que nos encontramos constitui uma oportunidade para que as pessoas encontrem causas comuns e discutam o que deve ser feito e de que que modo deve ser feito. Contudo, à medida que as ameaças aumentam parece que não temos a adequada perceção dos riscos, enquanto a nossa impotência para os combater se torna maior. Perante a disrupção, a fragmentação e a desorientação, é fundamental promover novas formas de pensar, precisamos de interiorizar que vivemos numa época de limites, bem como de aprender a articular o conhecimento especializado e o desenvolvimento de capacidades básicas que possibilitem a abordagem dos problemas humanos. Não temos o direito de roubar o futuro às novas gerações. Por isso temos de nos interrogar: como educar as crianças e os jovens para a construção de um futuro diferente?
Em primeiro lugar, precisamos de assumir a importância dos valores na orientação da ação, como a liberdade, a igualdade e a justiça social. A sociedade deve tornar-se mais educadora, em vez de exigir tudo dos professores e da escola. Muitos dos problemas que enfrentamos são produzidos pela própria sociedade e colonizam o imaginário dos jovens, como o consumismo descontrolado, o cultivo do entretenimento, o futebol como modelo ou a utilização desregulada de ecrãs, entre muitos outros que continuamos a ignorar e que provocam anomia social.
Em segundo lugar, começamos agora a perceber que uma boa educação não é o remédio infalível para todos os nossos males. A educação só poderá obter bons resultados se existirem condições soci- ais nos diversos sectores da vida das pessoas.
O combate às desigualdades e à indiferença em relação ao sofrimento dos outros é determinante para a construção de uma sociedade verdadeiramente humana, em vez de exigirmos que seja a escola a resolver, como que por artes mágicas, as injustiças estruturais e a falta de oportunidades para os jovens. A escola não pode servir para reproduzir desigualdades e a educação tem de ser integradora. A humanização da educação exige um debate urgente e é uma causa comum, mas caminhamos na direção oposta, em vez de tentar mudar a sociedade de maneira a promover o bem estar das pessoas, enveredamos por pressionar cada vez mais os indivíduos para se moldarem a novas exigências e a ritmos maquinais, para que respondam às mudanças aceleradas e às incertezas crescentes, aumentado a pressão, o stress e o conformismo e desumanizando a sua existência.
Por fim, temos de retirar importantes lições da crise ecológica e compreender que vivemos na era dos limites, afinal os recursos não são ilimitados. Devemos, pois, tomar consciência progressiva dos limites e das consequências nefastas sempre que transgredimos o limiar de equilíbrio de um sistema, quer seja o ecossistema, a acumulação de riqueza, a adição consumista ou a desmesurada relação com a tecnologia, que nos coloca numa gaiola digital que escraviza o corpo e entorpece a mente. Habituados ao frenesim da abundância e à vertigem da velocidade, vivemos a ilusão de que somos donos e senhores do mundo, mas agora estamos confrontados com os nossos limites e com a nossa fragilidade.
Chegou o tempo de entender que nem tudo é possível, ou que nem tudo o que é possível deve ser feito. Existem limites morais e éticos para a conduta do ser humano, o ideal de crescimento ilimitado deve ser problematizado ou então não aprendemos nada e tudo irá voltar ao mesmo, mas desta vez será pior. Estamos obrigados a reinventar novas formas de pensar e alternativas sustentáveis. A reconstrução de um mundo comum exige a autolimitação por parte de cada um de nós e enquanto projeto de sociedade. Nunca seremos capazes de alcançar bons fins com meios inapropriados. Precisamos de debater o rumo da educação, de modo a garantir o direito dos jovens ao futuro, aguçando o espírito crítico, promovendo a autonomia e a responsabilidade, bem como a cooperação que possibilita a verdadeira convivencialidade e o respeito pelo outro.
07 Outubro 2024
07 Outubro 2024
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