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Com a verdade m’enganas

Reclassificar o solo

Com a verdade m’enganas

Ideias Políticas

2024-10-15 às 06h00

João Marques João Marques

O Orçamento de Estado para 2024 tornou-se uma novela política de enredo de duvidosa qualidade e com alguns desempenhos artistícos dignos de filmes de segunda categoria.
Julgo não se poder pedir mais ao Governo quando todo o processo negocial decorre sobre pressupostos claros e enquadrado em propostas concretas. Ao longo dos meses, Luís Montenegro demonstrou que sabe exatamente em que ponto se encontra o país real e o país político.
O país real está indisponível para mais um sorteio eleitoral e, embora não possa senão dispor-se a acorrer a mais uma escolha dos seus representantes, tem para com ela o mesmo entusiasmo e abertura que o paciente cirroso tem para com a cura que jorra da pia batismal.
O país político está a acomodar-se a uma nova realidade. Um estado de coisas inaudito em Portugal, por via do qual os dois maiores partidos têm de reaprender a conviver na diferença sem arriscar a centrifugação da mensagem. Parece-me óbvio que o Governo soube ler melhor a atual situação, não tanto porque precise de sobreviver, mas precisamente porque não tem tal necessidade. Por muito inábil que tivesse sido a governar nos últimos 6 meses, o executivo e os partidos que o suportam sempre usufruiriam neste período de um estado de graça, ou mesmo desgraça, indutor da compaixão junto do eleitorado. Como se pode impedir um lampejo de governação a quem se permitiu governar, perguntará o eleitor médio?
E é a essa mesma inquietação que o PS tem tido franca dificuldade em responder. Parece cada vez mais claro que, no Largo do Rato, a circunstância de relativa debilidade do Governo, que expressamente (e bem) renegou qualquer acordo com a direita populista, não foi bem compreendida quanto às consequências que acarreta para quem fica do lado de fora da porta de entrada de S. Bento.
Pedro Nuno Santos afirma e reafirma, com alguma razão, que não pode querer o Governo executar o seu programa à custa do desbaratar da confiança que os eleitores do PS depositaram no projeto alternativo do seu partido. Mas a miopia é tal que não consegue fazer o raciocíno inverso e compreender que o condicionamento das principais linhas de atuação programática do Governo em funções, por parte da oposição, é indutor de um travestismo intolerável e atentatório da dignidade democrática de quem, para todos os efeitos, por muito ou pouco, venceu as eleições.
Querer fazer do orçamento de estado um albergue espanhol ou, pelo menos, um confortável sofá onde o PS dirige o país com o comando da Playstation, sobrando para o PSD e CDS a aparência de exercerem as funções para que foram investidos formal e constitucionalmente, é de uma violência política intolerável e representa um sequestro do poder inaceitável. Porque não há só convicções de um lado e porque as de uns não valem mais do que as de outros, o caminho de um partido como o PS, enquanto líder da oposição, não é violentar-se, mas muito menos o é estripar as leves vestes laranja com que Luís Montenegro tenta cobrir um governo que é liderado pelo PSD.
No atual contexto de (des)equilíbrio de forças, há uma natural tendência a que os dois partidos falem mais, acordem mais e batalhem mais. Os polos da democracia portuguesa giram, em grande medida, sobre PSD e PS, pelo que seria incompreensível qualquer deles furtar-se a um diálogo estruturado que não tem de confundir-se com miscigenação política.
Temer que os eleitores presumam que o diálogo e a cedência de parte a parte significa a constituição de um bloco central é fraquejar perante a realidade e perante a responsabilidade. É fomentar uma política de medo, de fraquejo, onde o receio de que o Chega tenha ganho de causa é maior do que a prioridade que merece o interesse nacional.
Pensar que, em pleno século XXI, a inteligência dos eleitores está sequestrada por uma lógica de demonstração de forças que apenas opera sob efeito de anabolizantes é, ao mesmo tempo, profundamente errado e desapontante para o cidadão médio, categoria onde me insiro.
Claudicar não é ceder, claudicar é inflexibilizar. É pela rigidez das “convicções”, que verdadeiramente mais não são do que uma capa por detrás da qual se esconde a incapacidade de dar a cara pelo interesse nacional e pelas pessoas, que se coloca em causa o diálogo democrático que se finge reclamar.
E isto é tanto mais perigoso para o PS quanto a perceção resultante de tal postura pode passar a acantoná-lo num plano de irredutibilidade e ensimesmamento onde moram partidos como o…Chega.
Ainda há tempo para salvar o PS e, com ele, o país de um triste período crepuscular.
Ainda se pode evitar o enraizamento de uma noção perniciosa segundo a qual se leve o povo português a concluir que isto só lá vai com maiorias absolutas. Não que haja mal algum em maiorias absolutas, mas há muito mal na noção de que só é possível governar, seja qual for o bloco ganhador, com maiorias absolutas. Oxalá todos nos salvemos.

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