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Carlos Cruz

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Ideias

2013-04-07 às 06h00

Carlos Pires Carlos Pires

Em Setembro de 2002 um antigo aluno da Casa Pia de Lisboa, em entrevista à jornalista Felícia Cabrita, alegou ter sofrido abusos sexuais, enquanto jovem casapiano. Assim iniciou um dos processos judiciais mais mediáticos que alguma vez a Justiça portuguesa enfrentara.
Carlos Cruz, a figura com mais notoriedade pública de todo o processo, foi acusado, julgado e condenado por um crime hediondo: a pedofilia. Na passada terça-feira, pelo seu pé, sem que a polícia o tenha ido buscar, apresentou-se na prisão. Cumpriu o que prometera: acatar o comando da Justiça, mesmo sentindo-a injusta - “dura lex, sed lex”. Proponho-me ora partilhar convosco, leitores do Correio do Minho, sem quaisquer “certezas”, algumas das “angústias” que este assunto sempre me provocou.

1. O Julgamento Popular e os Media: porque ainda acredito que vivemos num Estado de Direito, e a par do respeito que me merece a decisão proferida pelo Tribunal, manifesto total repúdio pelos julgamentos efetuados na “praça pública”, nos quais Carlos Cruz foi, desde o início, condenado. Na verdade, se perante algo tão terrífico como o abuso sexual de crianças é fácil que os ânimos se exaltem, e que o sentimento de cruzada se sobreponha ao bom senso, certo é que, porque envolvido um “famoso”, alguma comunicação social revelou-se fértil na divulgação de boatos e insinuações, potenciando “justiceirismos primários” - injusto e cruel!
- É pá, se Carlos Cruz foi incriminado é porque é verdade: assim concluiu o cidadão comum, em casa ou no café. Tanto assim é que, confirmada a sua condenação, o mesmo cidadão afirma categoricamente: “o Tribunal não o ia condenar sem provas!”. Pergunto: que diria se Carlos Cruz tivesse sido absolvido? Aposto: “tinha amigos influentes e dinheiro para pagar a bons advogados; não há justiça; os grandes safam-se sempre!”. Ou seja, toda a sociedade se uniu no linchamento. Interroguemo-nos: ao ponto de influenciarem os agentes da Justiça? Ao ponto de os Tribunais se sentirem naturalmente “pressionados” a um veredicto de condenação?

2. A Investigação: a condução do processo investigatório sempre me suscitou muitas dúvidas. Estamos a falar de crimes que envolveram certamente, entre abusadores e pessoas que facilitaram os abusos, dezenas ou centenas de pessoas. Ora, foram acusadas pela Justiça apenas sete pessoas, o que por si só pode dizer muito sobre a eficácia dos trabalhos realizados. Ainda, num processo em que a prova é sustentada em (falíveis!) testemunhos - não há fotografias, vídeos, recibos de portagens, faturas, registos de telefonemas, correspondência, e-mails, gravações de conversas - impunha-se sobriedade e rigor.
E foi isso que aconteceu? Não! Justiça e comunicação social revelaram uma perniciosa aliança. Registo as imagens do magistrado Rui Teixeira a irromper na Assembleia da Republica para deter Paulo Pedroso (o que veio, posteriormente, a revelar-se um erro!), acompanhado, em toda a “mise en scene”, pelas câmaras da TV. Interroguemo-nos: para uma Justiça dos holofotes apenas um alvo que tenha notoriedade pública interessa, pois só isso é notícia?

3. As Vitimas: crimes monstruosos foram cometidos contra crianças que, durante anos, não conseguiram que a sua voz fosse ouvida pela instituição à qual estavam (mal) confiados. Até ao momento em que nomes sonantes foram identificados como sendo os abusadores. Interroguemo-nos: e se essa foi afinal a (compreensível) forma das vítimas se afirmarem? Se uma das vítimas passou a ser (finalmente) ouvida porque apontou X. como seu abusador, é natural que outra das vítimas pensasse que maior atenção arrastaria para si se acusasse Z., estrela da TV ou da política. E, de entre estes, qual o nome mais sonante na altura? O Sr. Televisão, Carlos Cruz! O mesmo que tinha, ainda, dirigido e obtido ganho na candidatura de Portugal à organização do Euro 2004. Recordo que outros nomes foram identificados como abusadores, desde o mundo da política - v.g. Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues - ao mundo do espetáculo - Herman José -, mas que, malgrado algumas detenções efetuadas, viriam a ser descartados. Ficou Carlos Cruz. E até poderia ficar, se tudo o resto se mostrasse credível aos meus olhos. Mas não. Permaneço angustiado, confesso-vos.
Este é um texto que pode desagradar a muitos: a pedofilia é um crime horrendo e é mais fácil pensar que todos os condenados são culpados. Contudo, julgo, uma sentença apenas pode ajudar a sarar as feridas de abusos continuados sobre crianças se condenar os verdadeiros culpados. Assusta-me a possibilidade de viver num país em que um inocente pode ser condenado. Em que gostava de acreditar? Numa justiça mais Justa (e célere!). A única certeza que tenho? “A prisão não são as grades e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência” (M.Gandhi).

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