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Camilo no bicentenário do seu nascimento

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Camilo no bicentenário do seu nascimento

Ideias

2025-03-16 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

No dia 16 de março de 1825, exatamente há 200 anos, nasceu em Lisboa um dos mais brilhantes escritores portugueses: Camilo Castelo Branco.
Ao longo dos seus 65 anos de vida, Camilo Castelo Branco escreveu algumas das páginas mais belas da literatura portuguesa.
Marcado pelo romantismo, do qual Amor de Perdição é um dos exemplos mais emblemáticos, o escritor percorreu a nossa região, sendo um profundo conhecedor de muitos dos nossos locais e tradições, cujos registos se encontram nas páginas que escreveu.
Apesar de ser considerado um dos mais brilhantes escritores portugueses, Camilo Castelo Branco foi alvo de várias críticas ainda em vida. Uma delas partiu do padre João Vieira Neves Castro da Cruz. Este sacerdote, que nasceu na Maia em 1828 e publicou a “Novena de Nª. Sª. de Guadalupe...”, quis deixar registadas estas críticas ao escritor, escolhendo fazê-lo em “O Commercio do Minho”, de 31 de maio de 1883 e de 23 de junho de 1883.
O padre João Cruz aproveitou-se da célebre Questão da Sebenta (1883), que envolveu Camilo e Avelino César Calisto, professor da Universidade de Coimbra, para criticar as ideias contraditórias que Camilo tinha relativamente à religião.

Segundo o padre, ninguém sabia quais eram as ideias que orientavam o pensamento de Camilo Castelo Branco. Para o sacerdote, o escritor demonstrava constantes alterações no rumo do seu pensamento, contradizendo-se frequentemente, principalmente no que respeita à religião e à crença em Deus.
Para o padre, os prós e os contras estavam muitas vezes presentes no pensamento de Camilo: “Hoje uma cousa é boa, muito excellente; ámanhã é má, péssima até. Em um dia, isto é branco, em outro é preto. Agora é cousa divina, logo é cousa do diabo”! 1
Por diversas vezes Camilo Castelo Branco criticava o Papa, mudando de seguida drasticamente de ideias, defendendo o Sumo Pontífice; condenava a Companhia de Jesus, mas “em tempos defendeu-a, argumentando com força contra os seus inimigos”. 1

O padre João Cruz baseia-se num texto que Camilo escreveu no “Christianismo”, um semanário religioso do Porto, no dia 7 de fevereiro de 1852, onde o autor referia que acreditava “de todo o seu coração na infalibilidade do Papa; acreditava n’ella como nas palavras de Jesus Christo”. 1
Este pensamento religioso do escritor manteve-se até 1865 e segundo o padre João Cruz: “É, pois, certíssimo que em 1865 o snr. Camillo era um crente fervoroso, e mostrava saudades pelos tempos passados em que a sua alma estava toda enlevada nas cousas do céo”.1
Também sobre a Companhia de Jesus, Camilo Castelo Branco prestou-lhe, durante muito tempo, rasgados elogios, quer em artigos publicados em jornais, quer no livro “Horas de Paz”, uns escritos religiosos, publicados no Porto, em 1865.
Nesse livro, Camilo considera a Companhia de Jesus um dos “baluartes” da sociedade portuguesa e estava pronto a “rebater as calumnias levantadas contra ella”.1
Outra crítica feita pelo padre João Cruz centrou-se nas célebres “Notas à Sebenta”, dirigidas ao Dr Avelino César Calisto, professor da Universidade de Coimbra, em 1883, que acusou Camilo Castelo Branco de “mercenarismo”, num tema referente a Marquês de Pombal.
Esta enorme polémica, que atingiu Camilo Castelo Branco, foi explorada por outros escritores, como José Maria Rodrigues e agora o padre João Cruz. Este diz que o seu objetivo é demonstrar que Camilo “não tem, nem nunca teve, ideias fixas e seguras sobre qualquer materia de que se ocupa, e que nos seus livros fervilham as contradicções sobre todos os assumptos”. 2
O padre ataca com ferocidade Camilo Castelo Branco. Apesar de lhe reconhecer muito talento e inteligência, acrescenta que “infelizmente, tem sido mal dirigida, e o resultado é essa multidão de volumes por elle elaborados, em que nada se encontra de solido, nada de consciencioso e sério”.2
Em 1856 Arnaldo Gama, num dos seus romances, aludia a Camilo Castelo Branco prevendo que “O presente não lhe será prospero em dinheiro, mas o futuro ser-lhe-ha prodigo em gloria” 2, acabando por ter toda a razão nesta análise.
Arnaldo Gama, na obra “Génio do Mal” (1856) acrescentou ainda que “Como folhetinista, é um dos mais espirituosos. Como erudito, Camillo tem estudado muito; e como continua a estudar, deve chegar um dia a saber de literatura o bastante para poder dizer: -sei”.2

Voltando à questão das ideias pouco fixas de Camilo, relativamente à religião, o padre João Cruz acrescenta que “todos conhecem que o eremita de S. Miguel de Seide escreve o que momentaneamente lhe vem á cabeça: lembrou-lhe citar o bispo de Autun, e atirou ao papel com aquelle dito; que não lera applicação nenhuma á questão”.2
Ao questionarem o conhecimento religioso de Camilo Castelo Branco, o escritor lamenta terem-no colocado “n’esta attitude de luctador pimpão, em mangas de camisa, obrigado a defender-me das vaias de ignorante, ao cabo de trinta e seis annos d’estudo”.2
Quem não gostou desta afirmação foi, mais uma vez, o padre João Cruz, ao questionar Camilo: “Trinta e seis annos de estudo! Tem com effeito, aproveitado bem o tempo! Que tem aprendido o snr. Camillo em todo o tempo decorrido? Em 1865 publicava as Horas de Paz, em que sustenta todos os dogmas catholicos, acreditava de todo o seu coração na Infalibilidade do Papa, e defendia com energia a Companhia de Jesus, a quem chamava o baluarte mais resistente aos assaltos da impiedade”.2

João Cruz critica ainda Camilo Castelo Branco por considerar a “Fé um oportuno pretexto para não raciocinar”. Contudo, no livro “Horas de Paz”, Camilo refere que “Não bastam aos christãos os vôos da sciencia para se exaltarem á morada dos anjos. É necessário crer; é indispensável a fé”.
Uma das frases que Camilo proferiu e que mais ofendeu o padre João Cruz foi quando referiu que “havendo divergência, não é facil decidir se o referido Espirito Santo está com a maioria, se com a minoria”. A esta afirmação o padre indignou-se dizendo “Que juízo este”! E acrescentou que ninguém dirá que Camilo escreveu o “Cristianismo da Cruz”!2

O padre indigna-se ainda com os “soezes insultos que emprega na sua fraseologia” o célebre Camilo Castelo Branco. E acrescentou ainda que a Teologia pouco se importa com um romancista que em todos os seus livros espalha princípios de descrença e imoralidade.
No dia em que se assinalam os 200 anos do nascimento de Camilo, razão teve Arnaldo Gama, quando, volto a repetir, referiu que “O presente não lhe será prospero em dinheiro, mas o futuro ser-lhe-ha prodigo em gloria”.
Acertou na perfeição, pois Camilo Castelo Branco, considerado por muitos como o primeiro romancista português, é também um dos mais gloriosos escritores nacionais.

1- “O Commercio do Minho”, de 31 de maio de 1883

2- “O Commercio do Minho”, de 23 de junho de 1883

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