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Braga, sexta-feira

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Braguinha

As férias e o seu benefício

Braguinha

Escreve quem sabe

2021-01-29 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

Está a chegar ao fim o mês que carimba o centenário do Sporting Clube de Braga, clube desenhado no Café Vianna, em pleno coração da cidade, por um grupo de estudantes no qual pontificavam nomes como Celestino Lobo, Carlos José de Morais, Eurico Sameiro, Costinha, Joaquim de Oliveira Costa, irmãos Carvalho e João Gomes, o primeiro presidente desta instituição desportiva.
Não foram 100 anos de solidão. De lá para cá muito foi guerreado sob o olhar de Bracara Augusta, terra romana fundada por César Augusto no ano 27 antes de Cristo ver Mundo. Um trajeto, por vezes periclitante, outras vezes de deslumbre. Há na história deste clube um ás de resiliência por um símbolo que carrega uma das mais belas e notáveis regiões de Portugal.
A primeira vez que toco no Braga foi no Verão de 1986. O calor abafado não me impediu de vencer o medo e marchar de Maximinos ao Estádio 1.o de Maio. Fi-lo semanas seguidas tal o espanto com o que via. A arena tinha a rudeza da glória. Os jogadores, orientados por Humberto Coelho, eram os guerreiros que só tinha visto, a espaços, no programa Domingo Desportivo da RTP. Tudo era grande em mim. Foi neste impulso que semanas depois entrei porta dentro. Tive o eterno Palmeira e o saudoso Chico Faria como treinadores. Corri até o coração bater. Lutei enquanto o sorriso brilhou. Foi no relvado desse palco inigualável que fiz o irrevogável treino. Recordo a subida das escadas, o cheiro da relva, o estalar dos pitons até ao último balneário. Não me despedi nem olhei para trás. O telefone ainda tocou. Alguém assumiu um adeus sem nota artística.
Quando há cerca de 20 anos comecei a ler que o estádio – inaugurado em maio de 1950 por Salazar e classificado, pelo IGESPAR, como Monumento de Interesse Público – ia virar apêndice, dei por mim a puxar os meus fios de memória. As tardes, com o ponteiro perto das três, onde o coração da Cidade dos Arcebispos rebentava de febre. Cachecóis e bandeiras desfraldadas a vermelho e branco. Castanhas assadas. Tremoços. Cervejas. Farturas. Bifanas. Um frenesim no parque da Ponte que dava o empurrão para a entrada pelo pórtico olímpico que abraçava o coliseu. Em torno, um formigueiro de cabeças. Sempre que podia, aguardava pela chegada das equipas. Os visitantes tinham garantido um cordão de assobios. O barulho era mais ensurdecedor sempre que o Vitória dava à costa. Há muitas histórias. A mais mórbida foi quando os bracarenses, na década de 30, depois da conquista do campeonato distrital, enviaram para Guimarães um caixão de defunto com um mono dentro. O episódio era lembrado, com o sorriso de orelha a orelha, sempre que o rival marcava ponto. Esta “pica” não tinha paralelo. Era o duelo mais aguardado do ano. Nessa altura, o Vitória vivia tempo de glória com Marinho Peres no comando. Em contraponto, o Braga carregava a corda na garganta. Foram temporadas de sofrimento até à última gota, longe do equilíbrio e da estabilidade do presente.
Faltam poucos dias para António Salvador atingir a maioridade na presidência. Convém ter memória do que era o clube. Definhava em dívidas. Sobressaltava os adeptos. Estes, na maioria, silenciavam o amor quando os “grandes” visitavam a capital do Minho. Não havia o orgulho desmedido que hoje sinto sempre que vejo a equipa entrar em campo. Falar de títulos, em Braga, era viajar até aos anos 60. Hoje há conquistas internacionais (Intertoto) e nacionais sem puxar pelo bloco de notas. O mérito é de um homem e de quem acreditou nele. Na equipa que escolheu e que renovou. Nos erros que aprendeu. Na obra que construiu e que continua a erguer. Aconteça o que acontecer, Salvador está na página mais dourada do clube. O bom é saber que é ainda jovem e que quer continuar. O título de campeão é uma questão de tempo.
Antes de apitar para o fim, destranco a baliza com o último fio de memória. Leva-me a Sebastião Alba quando disse: «Nada em mim começou por um acorde. Escrevo com saliva e a fuligem da noite no meio de mobília inarredável atento à efusão da névoa na sala». Pode a melhor arquitetura espantar a Europa. Pode o conforto acariciar as noites. Porém, ninguém apaga as molhas das tardes do 1.o de Maio onde de um lado ecoava o som da Juventude Bracarense e do outro as palmas da Central que embalavam o “Braguinha” para vencer mais um credo na boca.

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