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Atendimento no retalho

Ettore Scola e a ferrovia portuguesa

Atendimento no retalho

Escreve quem sabe

2020-10-26 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

“Atender” é verbo transitivo. Entre os seus significados, sobressaem, no âmbito semântico do retalho, «servir» o cliente, «prestar atenção a», «ter consideração por» ou «satisfazer um pedido ou solicitação». Uma loja ou uma instituição, física ou virtual, existe para servir o cliente, ou o utente. Não se compreenderia que, criada a loja ou o serviço, não tivesse como objetivo primordial deixar satisfeito quem a ela recorre. Satisfazer um pedido, ou solicitação, cabe bem, portanto, no universo significativo do verbo. «Prestar atenção» e «ter consideração por» supõem, paralelamente, atitudes e valores próprios de quem atende, que para além de morais e éticos, conformam o que normalmente se define como «deontologia profissional». Tendo em conta a diferença de funcionamento e de objetivos entre instituições sociais públicas (escolas, hospitais, etc), cujo objetivo imediato é o bem-estar e a felicidade dos utentes, e instituições privadas, cujo objetivo imediato é o lucro, talvez convenha refletir sobre que tipo de comportamento se espera na sequência do relacionamento.

Na medida em que, no primeiro caso, a finalidade das ações consiste no bem-estar e na felicidade do utente, qual é, neste momento, a perceção geral decorrente de uma situação geral de pandemia? Estarão todos mais ou menos de acordo que a situação presente é de abandono. Se se pensar em centros de saúde, por exemplo, choca verificar como o atendimento presencial, profundamente emocional, tende à anulação, remetendo-se o utente para um número de telefone ou um endereço de correio eletrónico nem sempre ativos, facto que provoca a desilusão e a ira de quem espera compreensão, atitude compassiva e amor. O argumento de que a presente situação pandémica justifica este tipo de comportamento das instituições prova a falência dos sistemas, e mostra o quão insignificante e impotente é o ser humano perante a frieza das máquinas e da irresponsabilidade política.

Coisa diversa é o atendimento em empresas privadas. Não obstante afirmação em contrário, o foco prioritário das empresas não é a satisfação, o bem-estar ou a felicidade do cliente, mas o lucro. Toda a estratégia empresarial visa a obtenção de riqueza, e a consideração do elemento «cliente» é definida em função disso. Como obter lucro, porém, sem clientes a quem vender os produtos? Fixar, fidelizar clientes, transforma-se, assim, em objetivo primacial de qualquer empresa. Neste âmbito, é fulcral a forma de cativação, que começa na atitude do funcionário atendente, na sua formação específica para o cargo, que passa pela engenharia de todo o processo de venda e que termina na própria pós-venda, local do processo em que, geralmente, se situam todos os litígios. Embora a tendência atual seja a do atendimento automático, com toda a panóplia de informação mecânica e impessoal, o cliente continua a preferir a presença física do funcionário, pessoa a quem se pode fazer perguntas «insignificantes», mas pertinentes. Presenças femininas, sempre bonitas e agradáveis, costumam dar vantagens não despiciendas, e todo o empresário de sucesso sabe disso. Se são empáticas e comunicam adequadamente, se são seguras e claras, objetivas e transparentes, está meio caminho andado para a definitiva e lucrativa sedução. A máxima de que «o cliente tem sempre razão», como se pressente, deve subjazer a ações que percorrem todo o sistema de venda de produtos. No retalho, não se perdoa a lentidão de processos, a procrastinação de resposta e de resolução de problemas. Ou se cativa «definitivamente», ou está, mesmo ao lado, outra empresa a piscar o olho.

Há um mês, cortaram-lhe o gás, com selo e tudo. Porque cumpria religiosamente as suas obrigações, ficou admirado. Após diversos contactos telefónicos, com remissão para «se X, clique 1», «se Y, clique 2», não conseguiu resolver o problema. Demorou três dias a conseguir um contacto pessoal. A meio da explicação, caiu a chamada. Tentou novamente no dia seguinte. Conseguiu contacto. Explicou novamente a situação. Do outro lado, uma voz jovem perguntou-lhe: «Já viu a pilha?». Respirou fundo. Explicou novamente que lhe cortaram o gás e que selaram o corte. Não lhe soube resolver o problema. Remeteu-o para outro atendente, que aguardou novamente com extraordinária paciência. «Olá, desculpe a demora, faça o favor…». Explicou pela terceira vez. Que ia ver o sistema. «Está? Deve haver algum engano, o senhor tem tudo em ordem, tem a certeza de que lhe cortaram o gás?». Sim, tenho, respondeu. «Então vamos mandar alguém para lhe resolver o problema». Agradeceu. E mandaram. Tinha havido um engano. Uma simples exposição presencial de um minuto não teria esclarecido toda a situação e poupado tensões? Ficou ferido com a incompetência da empresa, com a falta de formação dos seus funcionários. Pensa, neste momento, em alternativas. Maus atendimentos costumam ter consequências deste tipo.

*com JMS

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